Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2. Com pós-graduação em Edição de Texto, trabalha na área da revisão de texto. Exerce funções como leitora no ISCTE.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria de perguntar se podemos utilizar a preposição de com o verbo alugar, como nas frases: «a senhora da qual aluguei um apartamento está no estrangeiro» ou «aluguei um apartamento da amiga da minha mãe». Trata-se de uma situação em que eu sou inquilino e estou a alugar um apartamento de alguém.

Obrigada!

Resposta:

De acordo com o Dicionário Gramatical de Verbos Portugueses, o verbo alugar – verbo transitivo direto e indireto , na aceção de «utilizar mediante aluguer», pede a preposição a antes do complemento indireto. Assim, de acordo com esta informação, as frases que apresenta estariam corretas do seguinte modo: «a senhora à qual aluguei um apartamento está no estrangeiro» e «aluguei um apartamento à amiga da minha mãe». 

Este verbo, também enquanto transitivo direto e indireto, pede igualmente a preposição a antes do complemento indireto na aceção de «ceder por aluguer»  ex.: «alugou a casa da cidade a estudantes». Já enquanto verbo transitivo direto, alugar não pede nenhuma preposição nas aceções de «ceder por aluguer»  ex.: «ele aluga bicicletas»  e «utilizar mediante aluguer»  ex.: «a rapariga alugaria um quarto na baixa da cidade.»

 

P. S.: No entanto, refira-se que é corrente no Brasil a construção «alugar alguma coisa de alguém», conforme comunicação do consultor Luciano Eduardo de Oliveira: «No Brasil, quando somos inquilinos, dizemos que alugamos algo de alguém (do proprietário) [...], da mesma forma que compramos algo de alguém, recebemos algo de alguém, etc.» Com efeito, o gramático brasileiro

Evacuam-se pessoas vezes demais
Nem a tradução já escapa...

Na tradução portuguesa do livro As Vozes de Chernobyl, lê-se, e por várias vezes, que pessoas foram "evacuadas" de aldeias. Desatenção, também, do revisor deste pungente relato da bielorrussa Svetlana AlexievichPrémio Nobel da Literatura em 2015.

Pergunta:

Gostaria de saber se o interrobang(ue) já é aceite e reconhecido em português.

Resposta:

Interrobang – palavra formada em inglês a partir de interrogation + bang e que surgiu por volta de 1962 –  é um nome comummente associado ao sinal de pontuação que corresponde à justaposição dos pontos de interrogação e exclamação num texto. Contudo, na larga maioria dos casos, não encontramos a grafia com a justaposição dos sinais, mas sim com um a anteceder o outro sinal, isto é ?! ou !? – ambas as formas são admissíveis, a escolha recai no predomínio do tom interrogativo ou exclamativo. Também em inglês, esta forma de interrogação e exclamação, sem a justaposição, se denomina interrobang. 

Em português, por seu lado, não se encontra atestada nenhuma denominação para este uso de sinais de pontuação. Na verdade, a tradição do uso de um único sinal em que ocorre a sobreposição dos dois não é ainda corrente em língua portuguesa; daí, talvez, nunca ter existido a necessidade de lhe atribuir um nome. Contudo, se se quiser aportuguesar este termo, e não tendo forma generalizada em português, far-se-á a adaptação de acordo com o sugerido pelo consulente, interrobangue, como outrora se fez com outras tantas palavras que entraram na língua portuguesa por via de outras línguas, nomeadamente bumerangue, que em inglês se grafa boomerang. Temos ainda outros casos de aportuguesamento, com alteração da terminações originais: champô (português europeu) ou xampu (português do Brasil) (de shampoo), ateliê (de atelier), ou mesmo surfe (de surf).

Pergunta:

É possível usar o presente em lugar do imperativo?

Por exemplo, «tu, faze-lo!» em lugar de «tu, fá-lo» e «fá-lo tu».

Resposta:

A forma apresentada pela consulente faze-lo não corresponde à 2.ª pessoa do singular – tu – do modo imperativo do verbo fazer conjugado pronominalmente.

No entanto, além da forma faz («faz tu»), correspondente à segunda à 2.ª pessoa do singular deste modo, existe uma outra: faze («faze tu»). Esta forma verbal, menos comum no discurso oral e escrito, e que está associada a um registo mais culto e a textos do século XIX ou do início do século XX, por exemplo, não se pronominaliza, no entanto, com -l, isto é, a forma verbal não termina em -r, -s ou -z, e, por isso, o pronome não assume as modalidades de lo, la, los ou las. Assim, podemos ter as seguintes frases imperativas: «(tu) faz o trabalho de casa!», ou «(tu) fá-lo» ou ainda «(tu) faze-o».

Importa, não obstante, referir que o presente do indicativo pode ser utilizado em frases interpretadas como imperativas, e aí, sim, pode justificar-se o exemplo apresentado na questão acima:

(1) «Tu fazes o trabalho de casa hoje» (= «Tu faz/faze o trabalho de casa hoje!»).

Na frase (1), é possível substituir «o trabalho de casa» pelo pronome o, mas, como o verbo termina em -s, este -s irá desaparecer e o pronome assume a forma -lo: «tu faze-lo hoje». 

À semelhança deste último caso, em que o presente do indicativo ocorre numa frase dclarativa interpretada como imperativa, também o mesmo pode ocorrer com o futuro do indicativo: «tu farás o trabalho de casa» = «(tu)...

Pergunta:

O correto é escrever que algo é «tributário a» ou «tributário de»?

Vi duas frases usando os dois modos:

«Voltando à Europa, de cuja estrutura o sistema brasileiro é tributário[...]»

e «esse conceito é tributário às ideias de Hegel»

Resposta:

O adjetivo tributário pode ocorrer com as duas preposições, isto é, pode ser seguido pela preposição a ou pela preposição de.

A opção de usar uma ou outra preposição não altera qualquer sentido à frase onde se apresenta. Repare-se:

1. «Voltando à Europa, de cuja estrutura o sistema brasileiro é tributário [...]» = «Voltando à Europa, a cuja estrutura o sistema brasileiro é tributário [...]»

2. «Esse conceito é tributário às ideias de Hegel» = «Esse conceito é tributário das ideias de Hegel»

Prova do que aqui se diz é o exemplo que encontramos no Dicionário Prático de Regência Nominal (Celso Luft, 1997, 2.ª ed. p. 514) «"O Brasil inteiro... é tributário à sabedoria dele" (Afrânio Peixoto: id.); tributário da sabedoria dele». 

Podemos afirmar, portanto, que há uma prevalência do uso da preposição de após o adjetivo tributário, embora o uso minoritário da preposição a não faça da sua ocorrência uma incorreção.