Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2. Com pós-graduação em Edição de Texto, trabalha na área da revisão de texto. Exerce funções como leitora no ISCTE.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

É possível misturar os pronomes vós e você/vocês em frases como estas?

I. Preparem-vos.

II. Não vos subestime.

Resposta:

Se as frases apresentadas tiverem como sujeitos subentendidos vocês no primeiro exemplo você no segundo exemplo, ambas serão agramaticais. 

Para ficarem corretas, o objeto direto deve ser expresso pelo pronome reflexivo se, que é aquele que correspondem às 3.ª pessoas do singular e do plural: «[vocês] preparem-se» e « [você] não se subestime». Os verbos das frases estão no imperativo e na conjugação pronominal reflexa, isto é, associados a pronomes reflexos, que ocorrem, quando «o objeto direto representa a mesma pessoa [...] que o sujeito do verbo»1.

Por outro lado, se o sujeito for vós, então, o pronome reflexo tem a forma vos: «(Vós) preparai-vos» e «(vós) não vos subestimeis». 

1 Cunha, Celso e Cintra, Lindley (1984). Nova Gramática do Português Contemporâneo. Pág. 279. 

Pergunta:

Tenho visto em alguns blogues a palavra «Eu nata de vila Real/Bragança, etc.».

Gostava de saber se esta palavra é de dois géneros.

Nos dicionários que consultei só me aparece nato no masculino. Sei que em latim tem dois géneros...

Obrigado.

Resposta:

O adjetivo nato (do latim natus, a, um "nascido, dado à luz"1) tem como feminino, efetivamente, nata, no sentido de «nascido». Contudo são incomuns, para não dizer incorretas, frases como «um homem "nato" em Lisboa» ou «uma mulher "nata" em Lisboa».

Na verdade, nato e nata usam-se como adjetivos, na aceção de «que nasce com o indivíduo»2 (ex.: «ele tinha o senso nato do engano») e de «(que é alguma coisa) por nascimento ou por predisposição natural»2 (ex.: «ele é um comunicador nato»/«ela é uma comunicadora nata»).

Por outro lado, importa referir que existe o adjetivo nado (também do latim natus, a, um "nascido, dado à luz; mortal", particípio passado de nascor, eris, natus sum, nasci "nascer, ser posto no mundo"1), que tem o feminino nada. Apesar de sinónimo de nato, na medida em que genericamente significa «nascido», nado e nada ocorrem na aceção de «que veio ao mundo, que nasceu», referidos a um lugar. Aliás, é muito frequente na expressão «nado/a e criado/a»: «nado e criado em Vila Real» ou «nada e criada em Bragança».

 

1 Dicionário Eletrônico Houaiss

2 

Pergunta:

Com o novo acordo ortográfico, os meses escrevem-se com letra minúscula. E no caso das ruas com meses no nome?

Por exemplo a «rua 10 de Maio», passa a escrever-se «Maio» com letra minúscula?

Resposta:

De acordo com o que se refere, no Acordo Ortográfico em vigor, Base XIX, ponto 2, letra i), usa-se inicial maiúscula «opcionalmente [...] em categorizações de logradouros públicos: (rua ou Rua da Liberdade, largo ou Largo dos Leões), de templos (igreja ou Igreja do Bonfim, templo ou Templo do Apostolado Positivista), de edifícios (palácio ou Palácio da Cultura, edifício ou Edifício Azevedo Cunha).»

Neste contexto, o que se entende é que é opcional a inicial maiúscula na categorização do espaço, isto é, ou se opta por se grafar rua ou se opta por Rua. O nome que identifica o arruamento, por seu lado, grafa-se sempre com inicial maiúscula1. Assim, e apesar de os meses do ano na sua aceção normal se grafarem com inicial minúscula, quando estes surgem na denominação de uma rua, grafa-se com inicial maiúscula. No exemplo apresentado podemos ter, então: «rua 10 de Maio» ou «Rua 10 de Maio»2

 

1 Esta questão também se verifica no Acordo Ortográfico de 1945.

2 Quando o nome de uma rua é uma data, esta corresponde a uma efeméride, e, de acordo com a Base XIX, 2.º e) do Acordo Ortográfico de 1990, estas grafam-se com inicial mai...

Pergunta:

O verbo descer pode ser transitivo direto – e. g. «descer o lixo»?

Se não, qual verbo transitivo posso usar?

Resposta:

Embora seja corrente como verbo de movimento usado intransitivamente – «ele já desceu» –, o verbo descer também se emprega como verbo transitivo, isto é, seguido de complemento direto (objeto direto), como acontece em «ele desceu o lixo».

De acordo com o Dicionário Gramatical de Verbos Portugueses*, o verbo descer é intransitivo quando significa «deslocar-se para baixo («diz ao teu irmão para descer»); « ter um desnível» (quando a rua começar a descer, vire à esquerda») e «diminuir» («a taxa de juro desceu ligeiramente»). Não obstante, pode também ser transitivo direto nas seguintes aceções:

1. deslocar para baixo – Ex.: «a mãe desce as persianas antes de adormecer o bebé»;

2. percorrer para baixo – Ex.: «o rafting permite descer o rio num barco de borracha»;

3. diminuir – Ex.: «o patrão não desceu o salário».

Ao empregar-se «descer o lixo», no sentido de «mandar/levar o lixo para baixo (por exemplo, por uma conduta)», percebe-se que o verbo descer se enquadra na aceção 1. Além disso, dado que uma frase como «ele desceu o lixo» é parafraseável por «ele fez com que lixo descesse», pode-se concluir que este verbo pertence à classe dos verbos causativos uma vez que exprime a ideia de que o sujeito da oração causa uma alteração no estado do paciente da ação ou processo («o lixo»).

Note-se ainda que o verbo em apreço pode também ter um complemento introduzido por preposição, sendo, portanto, transitivo indireto nas seguintes aceções: «deslocar-se para baixo» («o escanção...

Pergunta:

Nesta frase de uma crónica do escritor brasileiro Luís Fernando Veríssimo «O homem perguntou se o que o garoto estava fazendo era ornamentos para os torreões do castelo», não teria de haver concordância entre o predicativo do sujeito e o auxiliar ser?

Grata pela ajuda.

Resposta:

Na frase em apreço – «O homem perguntou se o que o garoto estava fazendo era ornamentos para os torreões do castelo» , predica-se sobre «o que o garoto estava fazendo», portanto, este constituinte nominal é o sujeito. Ora, este constituinte pode ser substituído pelo pronome isto: «O homem perguntou se isto era ornamentos para os torreões do castelo». Assim, de acordo com Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo (1984,p. 502), este é um dos casos («quando o sujeito do verbo ser é um dos pronomes isto, isso, aquilo, tudo ou o (= aquilo)) em que o verbo ser deve concordar com o predicativo do sujeito, no caso «ornamentos para torreões do castelo». Posto isto, de acordo com o referido pela consulente, a frase deveria ter o verbo na terceira pessoa do plural: «O homem perguntou se o que o garoto estava fazendo eram ornamentos para os torreões do castelo.»

No entanto, importa referir que a mesma gramática alude ao facto de não ser «raro aparecer o verbo no singular, em concordância com o pronome demonstrativo ou com o indefinido: "se calhar, tudo é símbolos"» ou «há neles muita lágrima, e o que não é lágrimas são algemas» (Camilo Castelo Branco).