Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2. Com pós-graduação em Edição de Texto, trabalha na área da revisão de texto. Exerce funções como leitora no ISCTE.

 
Textos publicados pela autora
Língua...  muito enferrujada
No concurso televisivo Joker

Ferrujento, em vez de ferrugento – só mesmo por um domínio muito oxidado da sua própria língua.

Alunos de uma dúzia nacionalidades diferentes <br>envolvidos na Ciberescola e nos Cibercursos da Língua Portuguesa
Balanço do ano letivo de 2018/2019 do ensino de PLNM e PLE

A Ciberescola da Língua Portuguesa e os Cibercursos da Língua Portuguesa terminaram as atividades letivas referentes a 2018/2019. Foram envolvidos  perto de 150 alunos, nestas  duas plataformas dinamizadas pela Associação Ciberdúvidas da Língua Portuguesa.

Pergunta:

Devo dizer «Há um monte de pessoas que não são...» ou «Há um monte de pessoas que não é...»?

Resposta:

O verbo ser pode concordar das duas maneiras, porque o seu sujeito, o pronome relativo que, retoma tanto o significado de «um monte», que é singular, como o de «pessoas», no plural.

Numa frase simples, a concordância com a expressão «um monte de» ocorre geralmente com o verbo no singular: «um monte de pessoas é feliz». Com efeito, «um monte (de)» é o constituinte que desencadeia a concordância em número do verbo1. Contudo, numa frase complexa como «há um monte de pessoas que é feliz/são felizes», ocorre uma oração subordinada adjetiva relativa restritiva («que é feliz» ou «que são felizes») cujo sujeito, realizado pelo pronome relativo que, pode ter por antecedente quer «um monte» (núcleo do constituinte «um monte de pessoas»), quer «pessoas».

 

1 Observe-se que monte pode enquadrar-se entre nomes como grupo, conjunto, horda ou leque, isto é, nomes que referem coleções de objetos e outras entidades sem as quantificarem (nomes de referência dependente, segundo João Andrade Peres e Telmo Móia, Áreas críticas da Língua Portuguesa. Edições Caminho, pág. 471 e 477). Convém também assinalar que se atesta a concordância no plural em construções com estes nomes, como é o caso de data:

(1)  «[...] uns camaradas contavam que uma data de provocadores tinham interrompido a conferência [...]», o que pode contradizer a teor...

Pergunta:

Gostaria de saber se pode ser usado o termo "presunteria" ou "presuntaria" para definir produtos da classe de presuntos, tal como existe o termo charcutaria para outros do género. Este conceito linguístico existe? Pode ser utilizado?

Aguardo as vossas recomendações, que muito agradeço, desde já.

Resposta:

Apesar de o termo não se encontrar atestado, a verdade é que o substantivo se encontra bem formado, ou seja, trata-se de um derivado do substantivo presunto por associação do sufixo -aria, que denota «atividade, ramo de negócio». À semelhança do queijo, que também se inclui no ramo da charcutaria e que tem um negócio próprio que se denomina queijaria, podemos assumir presuntaria como denominação do negócio especializado em presuntos.

Nota: Existe registo de substantivos em português do Brasil com o sufixo -eria, que alterna com -aria, como loteria (cf. Dicionário Houaiss). Nessa perspetiva, poderíamos formar "presunteria", mas a verdade é que, mesmo no Brasil, esta possibilidade não se usa e o que ocorre é sempre presuntaria, como evidencia, entre outros, o caso do nome comercial Presuntaria Sadia.

Pergunta:

Diz-se «cada um de vós fazei uma pirueta» ou «cada um de vós faça uma pirueta»?

Obrigada!

Resposta:

Independentemente da escolha da forma de tratamento – vós ou vocês  a concordância do verbo é desencadeada por «cada um», na terceira pessoa do singular, no caso faça. O verbo concorda, portanto, com o núcleo do constituinte com a função de sujeito («cada um de vós» ou «cada um de vocês»), pelo que a frase correta será «cada um de vós faça uma pirueta.» 

Importa referir que estamos perante uma frase imperativa, o que nos pode levar a crer que, por isso mesmo, devíamos ter o verbo nas segundas pessoas do singular e plural, que é a forma mais corrente do imperativo (faz/fazei). Acontece, porém, que no caso temos de ter o verbo a concordar com «cada um», o que implica que o verbo esteja na terceira pessoa do singular1. Além disso, recorre-se ao presente do conjuntivo que supre as formas que faltam ao imperativo (eu/ele/ela/você faça, nós façamos, eles/elas façam).  

1 A locução «cada um» é usada para se referir a todos os elementos ou indivíduos de um conjunto ou grupo determinado, considerando-os individual e separadamente em relação aos outros, e por isso, a forma verbal...