DÚVIDAS

As variantes cetro e ceptro

No fim do período de transição comecei a usar o Acordo Ortográfico de 1990 e, até hoje, que me lembre, no que se refere a consoantes mudas, só tive uma forte discordância com o estabelecido no Acordo: foi a palavra ceptro, em que eu sempre pronunciei o pê e sempre ouvi pronunciar o pê.

É claro também que a palavra ceptro é uma palavra sobretudo escrita e muito pouco dita. Ou seja, encontra-se em livros, jornais e revistas, mas usa-se pouco na oralidade. Lembro-me de que a aprendi com o Tintin em O Ceptro de Ottokar.

Em 20 de dezembro, a propósito da conquista do Mundial pela Argentina, ouvi na CNN a palavra ceptro com o pê bem pronunciado em: «Messi pegou no ceptro», para significar «a taça», ou algo assim.

Creio que, de acordo com as transcrições fonéticas constantes nalguns dicionários, o pê não é pronunciado mas, francamente, e de forma impressiva, acho que é. Já fiz o teste com vários amigos e a opinião largamente generalizada é a de pronúncia do pê. Num universo de umas 12 pessoas, a percentagem deve andar nos 80% a pronunciarem o pê contra 20% a não o pronunciarem.

É possível também que, justamente por ser uma palavra mais escrita que dita, possa ter havido alguma corruptela oral da prolação.

Podem esclarecer?

Obrigado.

Resposta

Em Portugal, existem as duas pronúncias da palavra, razão por que se registam e aceitam as duas grafias – cetro e ceptro.

A oscilação não é recente, pois a representação de pronúncia que figura no Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves (RB), é a de um [p] que pode não ser proferido. Noutra fonte, o Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa (1947), também de RB, inclui ceptro (p. 87) na lista correspondente a palavras em que c e p antes de consoante podem não ser articulados.

A pronúncia facultativa da consoante bilabial surda [p] não será devida à diferença entre o português europeu (PE) e o português do Brasil (PB). A 1.ª edição do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, de 2001, exibe cetro, conforme o que esperaria da tendência do PB para a  supressão de tal som antes de outra consoante (nem sempre, pois em PB escreve-se recepção, com p grafado, porque realizado foneticamente). Contudo, no contexto do PE, também se encontra cetro no vocabulário da Academia das Ciências de Lisboa (ACL) de 1940 e no Grande Dicionário da Língua Portuguesa (1989) de José Pedro Machado.

No Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, que a ACL publicou em 2001 – portanto, antes da entrada em vigor do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 –, escreve-se ceptro, mas a transcrição fonética não apresenta essa consoante bilabial surda: [ˈsɛtɾu].

A explicação para toda esta hesitação parece ser a que o consulente propõe: é palavra do registo culto (ainda que não especialmente erudita) e, portanto, é menos ou raramente ativada.

Atualmente, no Vocabulário Ortográfico Comum (Instituto Internacional da Língua Portuguesa) registam-se as duas grafias a dar conta da variação de pronúncia no conjunto dos países de língua portuguesa, mas no vocabulário de Portugal só se apresenta cetro.

Concluindo, parece plausível que, em Portugal, houve e ainda há certa preferência pela pronúncia sem [p], pelo menos, entre lexicógrafos. Contudo, noutros meios, articula-se um [p], pelo que se torna razoável legitimar a grafia ceptro também em PE.

Cf.: Variantes ou variedades do português

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