Acabo de ler um texto sobre o português e o tétum na vossa página. Pensei em sugerir mais dois textos sobre o mesmo assunto:
http://timor2006.blogspot.com/2007/06/ensinar-portugus-em-timor.html#comments
e
http://timor2006.blogspot.com/2007/09/ensinar-portugus-em-timor-ii.html#comments
Relativamente à [resposta] intitulada O predicativo de complemento direto e o complemento direto, [...] faria duas observações e uma proposta [fundamentando-as semanticamente].
Observações:
«… são também «selecionados pelo verbo os predicadores secundários com a relação gramatical de predicativo do sujeito [quando tal verbo pertence à subclasse dos verbos copulativos] e de predicativo do complemento direto, quando o verbo pertence à subclasse dos verbos transitivo-predicativos ou quando se trata de construções resultativas» (Mira Mateus et alii, Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Caminho, 2003, p. 290).»
Observação 1: «… selecionados pelo verbo…» — o verbo não é do âmbito da frase, mas sim do âmbito das palavras; é uma classe de palavras, quanto à função semântica; aqui, na análise sintática, é o correntemente chamado núcleo do predicado; a lógica das coisas não funciona com esta confusão de planos de análise.
Observação 2: «… os predicadores secundários com relação gramatical de predicativo do sujeito… e de predicativo do complemento direto…» — misturar, desta maneira, predicador e predicativo é não respeitar as palavras e os conceitos, o que, quando se trata do conhecimento explícito da língua, é particularmente grave!
Proposta:
Análise sintática alternativa:
«Acho-os grosseiros e enfadonhos.»
Referente (Sujeito): (Eu)
Predicado: «Acho-os grosseiros e enfadonhos»
Predicador: «Acho»
Modificador suplementar do predicador: «grosseiros e enfadonhos»
Modificador complemento do predicador (c. direto): «os»
Fundamentando: Só por si, no contexto em apreço, o predicador «acho», não seleciona complemento direto, porque não significa o que significa, por exemplo, em «… eu perdi o meu amor e, às escuras, não o acho». Só passa a selecionar complemento direto («os»), quando suplementarmente modificado por «grosseiros e enfadonhos».
[Passo], agora, [a] fundamentá-la [esta proposta alternativa de análise] sintaticamente:
Se as gramáticas não fossem perfeitamente caóticas no que aos conceitos diz respeito, teriam reparado que não pode haver predicativo sem predicador (ver Separar a sintaxe da semântica).
No caso vertente, para cumprir tal requisito, o verdadeiro predicativo — «(Acho)-os grosseiros e enfadonhos» — teria de se transformar numa predicação autónoma — «(Acho) que (eles) são grosseiros e enfadonhos.» Assim, a expressão «grosseiros e enfadonhos», por intermédio do predicador são, já seria um predicativo, mas um predicativo do sujeito.
Eis como a falta de rigor, nas palavras e nos conceitos, conduz a erros de análise. Neste caso, provocou a crença numa analogia impossível. E, de um só golpe, perverteu a semântica e a sintaxe. Se considerarmos que o português se aprende nas gramáticas e que os portugueses pensam em português, não podemos deixar de ficar angustiados!
Chegou a hora de dar a forma passiva das frases aos meus alunos do 6.º ano.
Procurei o descritor respetivo no novo programa e encontrei:
• Transformar frases activas em frases passivas e vice-versa (8).
Dado que a gramática é conhecimento explícito da língua, o descritor final não deveria ser este. Distinguir forma e conteúdo da frase seria mais adequado, uma vez que é disso mesmo que se trata: entre a voz ativa e a voz passiva, muda a forma, mas o essencial da mensagem permanece.
Procurei o conteúdo no novo programa e encontrei:
• Tipos de frase (Dicionário Terminológico B.4.3)
Frase activa, frase passiva
Deveremos concluir, desta apresentação, que o novo programa considera frase ativa e frase passiva como tipos de frase?!... De facto, o Dicionário Terminológico (DT) inclui tudo na mesma lista, não falando sequer em formas de frase, neste capítulo!... A ser assim, apelamos para que se esclareça o assunto, o mais rapidamente possível, dado que todos sabemos que os tipos se excluem mutuamente, enquanto as três formas (afirmativa/negativa, ativa passiva, normal/enfática) estão sempre presentes em qualquer tipo, embora disjuntivamente. São, portanto, categorias diferentes. Para confundir ainda mais a questão, o DT atira com o valor afirmativo ou negativo da frase (polaridade) para o mesmo rol da predicação e da referência, quando estas são de natureza sintática e aquela é de natureza puramente semântica.
Procurei em (DT B. 4. 3) e encontrei:
• Frase passiva Construção em que participam alguns verbos transitivos directos, transitivos directos e indirectos ou transitivos predicativos, na qual o constituinte interpretado como complemento de uma relação de predicação é realizado como sujeito, sendo o verbo conjugado numa forma composta, com o auxiliar ser.
Temo que esta definição, descritiva e complexa, não sirva de muito a um aluno do 2º ciclo. Não seria mais claro e útil definir a frase passiva como sendo aquela em que, ao contrário do habitual, não é o sujeito que pratica a ação, mas um elemento do predicado, que, por isso mesmo, se chama agente (da passiva)?
Resumindo e concluindo:
• não há o necessário rigor;
• não há a necessária adequação;
• inevitavelmente, não há a necessária formação dos alunos.
O DT, como já notámos a respeito de outros conteúdos e continuaremos a notar a respeito de outros ainda, é um caos! É grande a nossa responsabilidade. Que cidadãos estamos nós a formar?! Se não tivermos a coragem de questionar e rever estes assuntos, que será feito dos nossos netos?!
Alguém tem de dar um murro na mesa. A minha está muito longe dos centros de decisão. Por isso, apelo, aqui, neste fórum, patrocinado pelo ME, para que alguém o faça.
Entretanto, com a inocência da criança da história, vou gritando que “o rei vai nu”…
[...] Relativamente à resposta que o senhor professor Carlos Rocha deu à questão sob o título Divisão de orações da estância 129 do canto III d´ Os Lusíadas, cumpre-me fazer os seguintes reparos:
1. — Orações coordenadas copulativas:
a) «Põe-me onde se use toda a feridade,/ entre liões e tigres»;
Reparo:
Por engano, julgo eu, colocou a divisória em «feridade /», quando quereria colocá-la em «Põe-me /…»
2. — Oração substantiva substantiva relativa (elemento subordinante: «põe-me»): «onde se use toda a feridade, entre liões e tigres»
Reparo:
Também por lapso, escreveu «substantiva substantiva», quando quereria escrever «subordinada substantiva». Mas o verdadeiro reparo, aqui, é que a expressão «…,entre liões e tigres,» não faz parte desta oração. A ideia não é que se use toda a feridade entre liões e tigres, porque isso é obvio, universal, inevitável. Creio que o respeito pelo clima, pela química desta mensagem impõe um dos dois entendimentos: ou «Põe-me (…), entre liões e tigres, / onde se use toda a feridade,», ou «Põe-me (num lugar) / onde (em que) se use toda a feridade, / (como acontece) entre liões e tigres,…» (subordinada adverbial comparativa). Inclino-me mais para o segundo.
3.— Oração subordinada substantiva completiva (elemento subordinante: «e verei»): «se neles achar posso a feridade»
Reparo:
Outro lapso — o que aqui se procura é piedade e não feridade (que há de sobra!).
4.— Oração subordinada adjetiva relativa: «que entre peitos humanos não achei.»
Reparo:
Não me parece que esta oração seja adjetiva, mas sim substantiva, uma vez que não modifica a piedade, apenas a procura noutro lugar.
Este é um espaço de esclarecimento, informação, debate e promoção da língua portuguesa, numa perspetiva de afirmação dos valores culturais dos oito países de língua oficial portuguesa, fundado em 1997. Na diversidade de todos, o mesmo mar por onde navegamos e nos reconhecemos.
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