Carlos Marinheiro - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Marinheiro
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Carlos Marinheiro (1941–2022). Bacharel em Jornalismo pela Escola Superior de Meios de Comunicação Social de Lisboa e ex-coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Colaborou em vários jornais, sobretudo com textos de análise política e social, nomeadamente no Expresso, Público, Notícias da Amadora e no extinto Comércio do Funchal, influente órgão da Imprensa até ao 25 de Abril.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Como é que está correcto: «Não resiste a observar», ou «não resiste em observar»?

Obrigada.

Resposta:

No contexto, é «não resiste a observar». Com efeito, o verbo resistir, nesta situação, quer dizer «oferecer resistência; não ceder, não se dobrar», como em «a santa resiste a tudo, forte na sua virtude» (Garrett, Viagens, I, 34), ou «não sucumbir; recusar-se», a exemplo de «não pude resistir ao desejo de perguntar-lhe que espécie de homem era aquele» (M. Barreto, Através do Dicionário, 131) e «resistir aos encantos da sereia não era fácil» (Aulete). [In Dicionário de Verbos e Regimes, de Francisco Fernandes, edição da Editora Globo]

Outros exemplos, retirados do Dicionário Eletrônico Houaiss: «resistir à tentação»; «resistir às leis»; e «resistir à proposta».

Pergunta:

Num press release da Câmara Municipal da Mealhada a determinada altura escreve-se: «A exposição, hoje inaugurada, consta de uma mostra de armamento da época, alguma estatuária e cartografia militar, além de fotografias do Bussaco e do património histórico e militar, e vai estar patente ao público no Cineteatro Municipal Messias, onde pode ser vista diariamente, de quinta a segunda-feira, das 15h00 às 18h00 e das 20h00 às 23h00, até ao próximo dia 4 de Julho.» Gostava me informassem se «... diariamente, de quinta a segunda...» está correcto. Para mim, quando empregamos a palavra diariamente, significa que são todos os dias da semana e não apenas alguns, porque senão diríamos quais os dias, por exemplo, «de quinta a segunda».

Fico a aguardar o vosso esclarecimento.

Resposta:

Com efeito, o diariamente está a mais, dado que, se é «de quinta a segunda», já não «vai estar patente ao público» nos restantes dias da semana. O advérbio diariamente significa «todos os dias; em cada dia; de modo diário», como, por exemplo, em «Diariamente abria a caixa do correio. Encontravam-se diariamente. Os médicos convivem diariamente com a doença» [in Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, edição da Editorial Verbo].

A defesa do diariamente no texto pode ser feita do seguinte modo: é diariamente entre quinta e segunda-feira; mas, mesmo assim, a palavra é desnecessária, visto que «de quinta a segunda-feira, das 15h00 às 18h00 e das 20h00 às 23h00» já diz tudo.

Contudo, a Câmara Municipal da Mealhada pode utilizar o advérbio diariamente, por exemplo, na seguinte frase: «Na Mealhada, saboreia-se diariamente o "bom leitão à Bairrada".»

Pergunta:

Gostaria de saber a definição de gerontologia.

Grata pela atenção.

Resposta:

A gerontologia é o «estudo acerca da velhice ou das pessoas idosas». Este nome (substantivo) deriva «de geronto- e do gr[ego] lógos, "tratado", e -ia».

Gerontologia é o mesmo que geriatria («ramo da medicina que estuda os problemas relacionados com a velhice e suas doenças»).

[Fontes: Dicionário da Língua Portuguesa 2008 e Dicionário de Termos Médicos, de Manuel Freitas e Costa, edições da Porto Editora]

Pergunta:

Encontrei esta palavra ["bujamé"] num poema de José Cardoso da Costa (1736) e não consigo averiguar o que significa e qual é a etimologia dela.

Agradecer-lhe-ia a aclaração.

Resposta:

O substantivo (nome) masculino bujamé é um regionalismo de Angola da área da música; trata-se de «um instrumento nativo, de sopro» e, por metonímia, «o som desse instrumento». Em 1836, era «filho de mulato com negra ou vice-versa; cabra». Trata-se ainda de regionalismo do Ceará («mulato claro com cabelo sarará») e do Brasil («negrinho ajudante de cozinha»).

Como adjectivo de dois géneros, é um regionalismo do Brasil, com o significado de «escuro (diz-se da pelagem de certos bovídeos)».

A palavra bujamé deriva, «segundo Nei Lopes, do quic[on]g[o] mbudi, "chifre, corneta, trompa", prov[avelmente] através de uma expres[são] do tipo mbudi ia mi, "minha trompa"».

Sem contexto, é tudo o que lhe posso dizer.

[Fonte: Dicionário Eletrônico Houaiss]

Pergunta:

Numa viagem recente a Angola constatei que lá, ao perguntar-se qualquer coisa como «já tens isso feito?», a resposta mais comum é «Ainda!». Assim, sem mais nada.

A razão dada é que como nunca se diz «Ainda sim», ao responderem só «Ainda», o «não» está implícito.

Estará isto correcto?

Resposta:

Dado que, neste caso, temos um não subentendido, e se isso é entendido pela generalidade das pessoas que vivem na região onde é usado, com esse argumento de que não é possível o «ainda sim», parece-me que não se pode considerar incorrecta a resposta «Ainda!» É preciso ter em conta de que estamos a falar de linguagem informal.

Também em Portugal, há muitas formas semelhantes usadas no dia-a-dia; só um exemplo: à pergunta «como tens passado?», a resposta é quase sempre «bem!», quando a resposta formal (explícita) deveria ser «tenho passado bem!».