DÚVIDAS

A construção «dar a» com infinitivo

Examine-se a seguinte frase:

«Confrontado com a verdade, o coronel finalmente se deu a conhecer.»

Peço a gentileza de que seja feita a análise sintática da oração «o coronel finalmente se deu a conhecer».

[...] [P]ergunto ainda se a expressão «deu a conhecer» em «Ele nos deu a conhecer o objeto da discussão» é uma locução verbal? Se não, como se analisariam sintaticamente os termos oracionais «nos» e «a conhecer»?

Obrigado.

Resposta

Há, pelo menos, duas possibilidades de análise:

1. O Dicionário de Usos do Português do Brasil, de Francisco S. Borba (São Paulo, Editora Ática, 2002), regista como subentradas de dar, classificando-as como locuções, as expressões dar a conhecer, «revelar», e dar a entender, «insinuar», o que significa que se comportam como um todo, como expressões fixas. Nesse caso, a análise sintáctica considerará que, por exemplo, dar a conhecer é uma expressão verbal que, globalmente, desempenha determinada função sintáctica, ou seja, considerando os exemplos apresentados pelo consulente:

1. «O coronel finalmente se deu a conhecer»1 

sujeito: «o coronel»

predicado: «finalmente se deu a conhecer»

adjunto adverbial ou modificador: «finalmente»

objecto directo: «se» (reflexo)

 

2. «Ele nos deu a conhecer o objecto da discussão.» 

sujeito: «ele» 

predicado: «nos deu a conhecer o objecto da discussão.» 

objecto indirecto: «nos» 

objecto directo: «o objeto de dicussão»

 

2. Uma alternativa é encarar a construção dar a + infinitivo como integrando uma estrutura oracional em que dar não é auxiliar mas, sim, um verbo que selecciona uma oração de infinitivo introduzida pela preposição a. Esta é uma análise possível, que já aparece proposta por Augusto Epiphanio da Silva Dias na sua Syntaxe Historica Portuguesa (Lisboa, Livraria Clássica Editora, 1933, pág. 227; manteve-se a ortografia original):

«Servindo de exprimir fim, liga-se ao simples infinitivo precedido da prepos[ição] a:

1) ao verbo dar, para designar a acção que o compl[emento] directo ha-de praticar: dar a alguem algo a beber

Esta construção vem igualmente registada como subentrada de dar no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, com o seguinte significado: «Passar para alguém com o objectivo expresso pelo verbo no inf[initivo]. Deu-lhe a ler a sua tese. Dar a saber. Dar a escolher. Dar a conhecer

Sendo assim, retomemos as frases apresentadas em 1 e 2 e analisemo-las de novo:

1.´«O coronel finalmente se deu a conhecer.»

oração subordinante: «o coronel finalmente se deu»

sujeito: «o coronel»

predicado: «finalmente se deu»

adjunto adverbial: «finalmente»

objecto directo: «se»

oração subordinada adverbial de fim: «a conhecer»

sujeito: nulo

predicado: «conhecer»

2.´ «Ele nos deu a conhecer o objecto da discussão.»

oração subordinante: «ele nos deu o objecto de discussão»

sujeito: «ele»

objecti indirecto: «nos»

objecto directo: «o objeto de discussão»

oração subordinada adverbial de fim: «a conhecer»

sujeito: nulo

predicado: «conhecer»

1 Não encontro dicionarizada a construção pronominal «dar-se a conhecer», que me parece  interpretável como extensão semântica de «dar a conhecer», nas acepções de «identificar-se», «apresentar-se», «abrir-se».

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