Na escrita, a conjunção é obrigatória quer com numerais das dezenas quer com os que representam centenas, conforme, aliás, se pode ler na Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra (1984, p. 372):
«1. A conjunção e é sempre intercalada entre as centenas, as dezenas e as unidades:
trinta e cinco
trezentos e quarenta e nove
2. Não se emprega a conjunção entre os milhares e as centenas, salvo quando o número terminar numa centena com dois zeros:
1802 = mil oitocentos e noventa e dois
1800 = mil e oitocentos [...].»
Na pronúncia-padrão, também o [i] correspondente à conjunção é articulado e audível:
duzentos e cinquenta: [duzẽtuzisĩ'kwẽtɐ];
vinte e cinco (ou seja, "vint'e cinco"): [vĩti'sĩ'ku];
vinte e seis ("vint'e seis"): [vĩti'sɐjʃ];
vinte e sete ("vint'e sete"): [vĩti'sɛtɨ].
Contudo, é verdade que, na oralidade, a conjunção nem sempre é audível ou articulada, por fenómenos fonéticos característicos do português de Portugal que não estão totalmente esclarecidos. Parecem estes relacionar-se com a estabilidade do segmento [i] quando se encontra em posição átona numa unidade prosódica como é o caso de um numeral composto. Assim:
1. Em casos como os de «duzentos cinquenta», «trezentos e cinquenta», etc., ou seja, apenas antes de cinquenta, terá de se atender ao contexto fonético. A conjunção e ocorre entre o morfema de plural {-s}, geralmente chiado no padrão europeu (tem outras realizações fonética), e uma fricativa pré-dorsodental – [s]; observa-se ainda que está numa sílaba átona antes de uma sílaba também átona em que figura um [i] oral ou nasal (cinquenta). Sendo assim, se a pronúncia-padrão tiver precedência histórica, poderá supor-se que a conjunção passou a pronunciar-se como o e mudo de se (símbolo fonético: [ɨ]), tal como acontece com o primeiro i de Filipe – "Felipe", a soar "Flipe" - ou com o de privilégio – a soar "previlégio" – e o segundo i de privilegiado (que soa "priveligiado"), ou, ainda, no português não padrão, de cilindro – "celindro", a soar "slindro".
É também possível que o morfema {-s} em contacto com a conjunção já se tenha articulado como o j de já (símbolo fonético: [ʒ]), uma fricativa pré-palatal vozeada, para depois se tornar a consoante surda correspondente – [ʃ] – por assimilação ao [s] surdo de cinquenta, ao que se seguiu finalmente uma assimilação e simplificação da sequência [ʃs]. Nestas condições, é possível supor a seguinte sequência de transformações:
1. duzentos e cinquenta [duzẽtuzisĩ'kwẽtɐ] > "duzentujecinquenta" [duzẽtuʒɨsĩ'kwẽtɐ] > "duzentuchinquenta" [duzẽtuʃĩ'kwẽtɐ]
O que se apresenta acima é mera hipótese, que se propõe sem que, na elaboração desta resposta, se tenham encontrado estudos que a reforcem ou a invalidem.
2. Quanto a «vint'cinco», «vint'seis» e «vint'sete», em lugar, respetivamente, de «vinte e cinco», «vinte e seis» e «vinte e sete», trata-se de uma pronúncia bastante antiga, como se pode confirmar pelo facto de se encontrar comentada, pelo menos, desde os anos cinquenta do século passado (cf. Vasco Botelho de Amaral, Grande Dicionário de Dificuldades e Subtilezas do Idioma Português). O caso de «vinte e cinco» poderá explicar-se mais uma vez por tendências dissimilatórias (uma vogal diferencia-se do seu contexto vocálico) que se exercem numa sequência de sílabas que têm por núcleo a vogal [i] (oral ou nasal) – cf. o caso de privilegiado, mencionado acima (ë é aqui empregado para representar o e mudo ou neutro da preposição de, na pronúncia-padrão de Portugal):
2. vinte e cinco (ou seja, "vint'e cinco") [vĩti'sĩ'ku] > "vinte ë cinco" [vĩtɨ'sĩ'ku] > "vintsinco" [vĩ'tsĩ'ku]
Os casos de «vinte e seis» e «vinte e sete» parecem divergir um pouco de «vinte e cinco», uma vez que a conjunção ocorre antes do ditongo ei de seis e do e aberto de sete. No entanto, podem identificar-se palavras em que, numa sequência de [i] nasal em posição inicial e [i] átono em posição medial, este último passa ao e mudo que se representa em 3:
3. incinerar: padrão [ĩsinɨ'ɾaɾ]; não padrão [ĩsɨnɨ'ɾaɾ]
Talvez os casos de «vinte e seis» ("vint'e seis": [vĩti'sɐjʃ]) e «vinte e sete» ("vint'e sete": [vĩti'sɛtɨ]) tenham que ver com esta tendência, a que acresce o facto de seis e sete começarem pelo mesmo segmento fónico que cinco - [s] - na maior parte dos dialetos portugueses. Este segmento pode também ter contribuído para «vinte e seis» e «vinte e sete» se comportarem por analogia com «vinte e cinco».
Estamos, portanto, em pleno domínio dos estudos da variação linguística.