As comemorações do 25 de Abril de 1974, data de grande significado histórico em Portugal e nas suas então colónias em África, coincidem no presente ano com as dos 40 anos das respetivas independências* e a afirmação, nesses países, do português como idioma oficial comum, em toda a sua diversidade e caraterísticas próprias. Diversas iniciativas assinalam as efemérides, de que salientamos dois exemplos:
– a realização em Benguela, entre 7 e 9 de maio p. f., do Colóquio Internacional das Línguas Nacionais, uma iniciativa do Instituto Superior Politécnico Jean Piaget de Benguela, que, além de ser o primeiro evento em Angola sobre a normalização das línguas africanas nacionais, também pretende marcar a comemoração do 40.º aniversário da sua independência;
– o Festival Jovem da Lusofonia, que decorre em Coimbra entre 30 de abril e 1 de maio, com o objetivo de promover a música, as danças e a gastronomia dos países africanos de língua oficial portuguesa.
E fica a sugestão de (re)leitura dos seguintes textos em arquivo no Ciberdúvidas, assinalando, de algum modo, o que o 25 de Abril trouxe para a língua portuguesa:
O 25 de Abril no léxico português
Palavras do 25 de Abril (1974-2014)
Língua portuiguesa, recurso fabuloso
Oito séculos, oito palavras, oito países
E sobre a emergência das variedades africanas do português:
A norma do português em África e na Ásia
Que português usar: o europeu ou do Brasil?
A língua portuguesa em Angola: língua materna vs. língua madrasta. Uma proposta de paz
E, ainda, estes outros contributos:
Uma língua e diferentes culturas
Uma língua que aceita brincadeiras
Língua portuguesa, cartão de identidade dos moçambicanos
* A exceção é a República da Guiné-Bissau, declarada independente, unilateralmente, em 1973, ainda em período da guerra colonial.
De burro – um derivado de burrico, conforme o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa de José Pedro Machado –, passámos a ter burricada, burrical, burriqueiro e burriquete. E – foi a dúvida que nos fez chegar o consulente Rogério Monteiro, do Porto – qual poderá ser a explicação de se ter dado o nome do também chamado asno ou jumento ao termo tijolo burro*? A resposta, excelentemente fundamentada, fica disponível na rubrica O Nosso Idioma, com a assinatura do latinista nosso consultor Gonçalo Neves.
* «Chama-se tijolo burro a um tipo de tijolo maciço, de elevada resistência mecânica, com um volume de argila cozida superior a 85%, que normalmente apresenta medidas padronizadas (22 x 11 x 7 cm) e é utilizado sobretudo em trabalhos de alvenaria à vista (pilares, arcos de verga de portas e janelas, chaminés, churrasqueiras, etc.), onde pode ser disposto de diversas formas, dando origem a vários tipos de aparelho» (Gonçalo Neves).
Confrontamo-nos diariamente com dúvidas sobre a escrita de palavras, especialmente os profissionais da comunicação social. No caso português, a verdade é que, ao alcance de todos, surgiram nos últimos anos diversos instrumentos de consulta, quer em papel, quer em formato eletrónico e em linha, geralmente motivados pela aplicação do novo Acordo Ortográfico*. A «total insegurança ortográfica» e «os erros de português frequentes em jornais e televisões» que muitos lhe atribuem diretamente – vide o que nesse ponto se refere na moção aprovada pelo fórum-colóquio Pela Língua Portuguesa, diga NÃO ao ‘Acordo Ortográfico’ de 1990!, realizado na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 14 de abril p. p. (aqui noticiado)** – têm, pois, que ver, muito mais, com um generalizado descuido no bom uso do idioma nacional nos meios de comunicação portugueses. Basta ler e ouvir os recorrentes protestos de leitores e telespectadores nas colunas e nos espaços dos respetivos provedores. A começar nos reparos persistentes de quem vem ocupando o cargo no jornal mais ativamente discordante da adoção do Acordo Ortográfico em Portugal – onde, por isso mesmo, nem sequer se pode alegar, como noutros jornais, que esses erros decorram da má aplicação das novas regras ortográficas.
* Alguns desses recursos de consulta rápida e cómoda (além do Ciberdúvidas, naturalmente):
– o Vocabulário Comum da Língua Portuguesa, do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, o qual abrange os vocábulos usados em Portugal e noutros países de língua portuguesa, bem como integra os diversos vocabulários nacionais já disponíveis;
– o Vocabulário Ortográfico do Português, alojado no Portal da Língua Portuguesa;
– para o público brasileiro, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras.
** Ler o texto "Adversários do Acordo Ortográfico reclamam referendo", saído neste dia no jornal Público (disponível também na rubrica Acordo Ortográfico).
** Em Portugal, facto continua a escrever-se com c, bem pronunciado e audível, ao contrário do que se sugere na formulação de certas críticas ao Acordo Ortográfico, agravando eventuais confusões, como aqui e aqui se assinalou anteriormente.
O português compreende distintas variedades nacionais, cada qual com as suas tendências, mas nota-se grande convivência no quadrante literário: autores portugueses e angolanos vivem e escrevem no Brasil, do qual, por sua vez, saem escritores em visita por Portugal, Angola e outros países lusófonos. Terá todo este intercâmbio repercussão na língua portuguesa literária? Parece que sim, pelo menos, no caso da jornalista e escritora portuguesa Alexandra Lucas Coelho, que, em entrevista à revista brasileira Língua Portuguesa, a propósito do encontro Minha Pátria, Minha Língua (iniciativa já aqui noticiada), equaciona a possibilidade de um novo português literário, menos constrangido pelas fronteiras nacionais. E, já lhe tendo acontecido empregar nos seus livros o brasileirismo ônibus, em lugar de autocarro, palavra característica de Portugal, considera: «Há discursos que tentam nos reduzir, mas a vida é expansão. Entre Porto Alegre e Manaus há tantas possibilidades, digressões da língua portuguesa... Porque vou escrever autocarro se estou no Rio de Janeiro escrevendo sobre esse contexto?»
«A República de Angola defende a elaboração de um vocabulário ortográfico nacional e a retificação de determinadas bases técnico-científicas, para validar o Acordo Ortográfico no âmbito da Comunidade de Países de Língua Portuguesa», anunciou em Luanda a representante de Angola na Comissão Científica do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), Ana Paula Henriques.
A notícia, veiculada no blogue do Instituto Internacional da Língua Portuguesa – e que fica disponível também na rubrica Acordo Ortográfico – clarifica de algum modo a posição de Angola, renitente até aqui, quanto à adoção do Acordo Ortográfico. Ao mesmo tempo, os seus responsáveis reiteram a vontade de elaborarem também o seu vocabulário ortográfico, de cujos trabalhos têm estado alheados, no contexto do Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa.
[Ver, ainda: Angola favorável ao Acordo Ortográfico, mas com melhorias + Angola propõe rectificações para aderir ao Acordo Ortográfico]
Pode um uso, tido como incorreto, enraizar-se de tal modo, que os juízos em seu detrimento têm de ser revistos? Claro que sim, pelo menos, tendo em conta um exemplo que vem de Espanha. Apesar de a expressão castelhana «crisis humanitaria» (ou seja, «crise "humanitária"», já aqui muito criticada) não ter aprovação geral no país vizinho, a verdade é que a Fundación del Español Urgente (Fundéu) – entidade dinamizada pela agência Efe, que conta o apoio do BBVA e a assessoria da Real Academia Espanhola, promove o bom uso linguístico nos meios de comunicação de expressão castelhana – emitiu uma recomendação em que considera válida a associação de humanitario a substantivos como crisis (crise), catástrofe, desastre ou drama, em referência a uma situação que pressupunha a intervenção de organizações humanitárias: «En principio, la palabra humanitario significa ‘bondadoso y caritativo’ y ‘que busca el bien de todos los seres humanos’ y resulta un contrasentido en el contexto de un suceso que hay que lamentar, pero el giro puede considerarse una extensión válida por la falta de una expresión clara y concisa en español que aluda a este tipo de situaciones, generalmente asociadas a desastres naturales, conflictos o violencia generalizada y desplazamientos de población». Admitindo que «crise "humanitária"» configura um contrassenso – em espanhol, tal como em português, o adjetivo humanitário tem o mesmo sentido de «em prol da humanidade» – a Fundéu considera, porém, que se trata de uma extensão do emprego do adjetivo, a qual permite obviar à falta de uma fórmula mais económica. Além disso, acrescenta-se no referido parecer, trata-se de um uso consolidado no direito internacional humanitário.*
Os argumentos encontrados para o caso espanhol facilmente se transpõem para o português. Contudo, recorde-se que mesmo em inglês, língua em que humanitarian passou a andar associada a palavras de conotação negativa, nem sempre se considera que a nova aceção é marca de bom estilo. Teremos, mesmo assim, de habituar-nos à ideia de uma crise ser, afinal, humanitária? Fica aberta a discussão, mas, entretanto, voltamos a deixar as ligações às respostas e aos artigos que já dedicamos a este tema – unânimes a condenar tal uso:
HUMANITÁRIO; O inapropriado uso do adjectivo humanitário; Porque é incorreta a expressão «crise humanitária»?; Humanitário ≠ humano; Humanitário?; Errar também será "humanitário"?; Errar é humanitário?...; Como é que uma tragédia pode ser "humanitária"!?; Quando é que um drama pode ser "humanitário"?!; Caos "humanitário"?!; Humanitário e humano; A desumanidade e o humanitarismo.
* Posição contrária tinha há anos Fernando Lázaro Carreter (1923-2004), membro da Real Academia Espanhola, a propósito do massacre ocorrido em 1994 no Ruanda. O parecer então emitido por este académico espanhol pode ser lido no portal elcastellano.org.
«Variante internacional da nossa língua» é como um jornal digital galego se refere ao português1, a propósito de um curso de iniciação ao nosso idioma que decorre em Santiago de Compostela até junho. O espírito da iniciativa, claramente favorável a uma aproximação à lusofonia, fica demonstrado através da frase promocional «a nossa língua é extensa e útil» (no cartaz reproduzido à esquerda), sugerindo, também com humor, que o galego é parte de um universo linguístico mais alargado. Do outro lado do Atlântico, as notícias dão conta de que o português é a língua que mais cresce nos Estados Unidos, em grande parte, graças às oportunidades que o Brasil ou Angola parecem por enquanto abrir aos norte-americanos. Não faltam, portanto, sinais de que a língua portuguesa está a ter reconhecimento internacional. Mas o tempo passa, e a sorte muda. Estará toda a comunidade lusófona consciente deste desafio?
1 Expressivo da atenção que o português recebe dos galegos é o memorando assinado em 19 de fevereiro p. p., entre a Junta da Galiza e o Camões - Instituto da Cooperação e da Língua, para a adoção do português como língua estrangeira de opção no ensino não universitário (mais informação aqui).
A guerra civil na Síria – pontuada de acontecimentos gravíssimos como «a situação em Yarmouk [que] desceu aos mais baixos níveis de desumanidade», e que, até à data, provocou 220 mil mortos, quase quatro milhões de refugiados para os países limítrofes e cerca de, 6,7 milhões de deslocados no interior do dilacerado território sírio – é todo um cenário de incomensurável tragédia... humana. Como adequadamente se descreve numa notícia desenvolvida no jornal português Público deste dia e, depois, no respetivo Editorial – com a apropriada distinção nos qualificativos utilizados conforme o que tem conotação negativa (catástrofe, tragédia, caos, desgraça... humana) e o seu oposto (assistência, socorro, missões... humanitárias). Um excelente exemplo* que bem podia ser seguido por quantos, nos demais media nacionais, persistem no erro tantas vezes aqui assinalado.
[Vide, a este propósito: O inapropriado uso do adjectivo humanitário; Humanitário ≠ humano; Humanitário?; Errar também será "humanitário"?; Errar é humanitário?...; Como é que uma tragédia pode ser "humanitária"!?; Quando é que um drama pode ser "humanitário"?!; Caos "humanitário"?!; Humanitário e humano.]
* Um (acertado) rigor que não se vê noutras situações de mau uso da língua no mesmo jornal – como é o caso da adoção da anómala grafia "jihadista", em vez da forma jiadista, como acertadamente seguem o semanário Expresso e o diário Jornal de Notícias. Sobre as razões que fundamentam a rejeição da grafia "jihadista", leia-se Porquê jiadista, e não "jihadista", O anómalo "jihadista" e "Jihadistas" contra jiadistas.
Porque será que temos o (mau) hábito de ir buscar certas palavras ao campo de diferentes patologias para criticar e até insultar quem é alvo do nosso desagrado ou da nossa irritação? Como é que as designações de uma afeção neurocomportamental e dos seus pacientes – deem-se os casos de autismo e autista – adquirem uma conotação depreciativa e não raro ofensiva, muito para além do sentido estrito da palavra em si? Não será tudo isto a projeção de preconceitos acerca de padrões de suposta normalidade? São estas algumas das questões levantadas pelas jornalistas Susana Venceslau e Gabriela Chagas, num trabalho difundido pela agência Lusa, assinalando o Dia Mundial de Consciencialização do Autismo, e que se disponibiliza em O Nosso Idioma. Igualmente nesta rubrica, e com a devida vénia também, transcreve-se uma crónica assinada pela jornalista Clara Ferreira Alves, publicada no semanário "Expresso" em 3/4/2015, à volta do uso do calão e dos eufemismos correspondentes no discurso produzido dentro e fora do vertiginoso mundo da comunicação digital.
A presente atualização sublinha a importância da perspetiva histórica para a compreensão da língua portuguesa, dando relevo ao seu património de origem latina. Por exemplo, como se explica que, em linguagem mais corrente, o vocábulo prémio, a recompensa que se recebe, seja usado quase em sentido inverso, como pagamento feito por alguém, no âmbito da atividade seguradora? Em O Nosso Idioma, Gonçalo Neves, tradutor, latinista e especialista de interlinguística, dedica um estudo pormenorizado sobre as origens latinas desta palavra, traçando a sua evolução semântica no ramo dos seguros. Refira-se que o vastíssimo contributo do latim para a compreensão de várias facetas da língua portuguesa não tem recebido em Portugal a atenção devida. Antes pelo contrário. Como se dá conta, por exemplo, em Encómio ao latim + Da Matemática ao Latim + Ir ao dicionário e brincar com as palavras + Latim: língua (mais que) morta? + Vitam regit sapientia, non fortuna + Um país sem Latim.
Este é um espaço de esclarecimento, informação, debate e promoção da língua portuguesa, numa perspetiva de afirmação dos valores culturais dos oito países de língua oficial portuguesa, fundado em 1997. Na diversidade de todos, o mesmo mar por onde navegamos e nos reconhecemos.
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