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Por Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

Uma velha questão: pode prever-se quando um nome de lugar se usa com artigo definido?* Há critérios, mas será que funcionam com o topónimo Samouco, nome de uma freguesia do concelho de Alcochete (Portugal)? E, no aportuguesamento de palavras de origem árabe, tanto faz usar ch ou x? E que significa «cavar pés-de-burro»? As respostas estão no consultório.

Lembramos que, durante a semana de celebração da Páscoa e até 6 de abril p. f., o Ciberdúvidas tem o seu consultório interrompido. Não obstante esta pausa de férias, não deixaremos de proceder a novas atualizações, como foi o caso presente – seja na colocação em linha de respostas atrasadas, seja por qualquer outro tema considerado relevante. Para assuntos que não sejam relativos a dúvidas linguísticas, continuamos disponíveis através dos contactos indicados aqui.

 

* Como assinala a nossa consultora Maria Regina Rocha no texto «Quarteira» ou «a Quarteira»? «Em Quarteira» ou «na Quarteira»?, existe um critério geral, o de considerar que são sempre precedidos de artigo definido os nomes de lugares, aldeias, vilas e cidades que têm origem em substantivos comuns. Por exemplo: «o Porto» (substantivo comum correspondente: porto), «a Figueira da Foz» (substantivo comum correspondente: figueira), «a Guarda» (substantivo comum correspondente: guarda), «a Cuba» (Alentejo; substantivo comum correspondente: a cuba = recipiente de madeira grande, onde se pisam uvas e onde se guarda o vinho ou o vinagre nas adegas; tonel grande, dorna para vinho), «o Rio de Janeiro» (susbtantivo comum correspondente: rio), «a Beira» (cidade moçambicana; correspondente ao substantivo comum beira = margem, orla, borda). Ocorrem sem artigo definido os topónimos não interpretáveis por substantivos comuns ou correspondentes a nomes próprios de pessoa (incluindo os nomes de santos): «venho de Lisboa», «visitei Macau», «vive em Luanda», «moro em São Paulo». Outro critério é ter em atenção o uso dos naturais e residentes do lugar em causa; por exemplo, embora muitos se referiram à localidade alentejana de Alvito, associando-lhe o artigo definido («vou ao Alvito»), a verdade é que quem lá vive emprega o topónimo sem essa marca de determinação: «moro em Alvito».

É de observar, porém, que nem sempre é possível prever o uso correto, porque há casos que contrariam  os critérios enunciados, os quais podem ser agrupados em dois tipos (informação e exemplos provenientes da Gramática do Português da Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, págs. 1021-1023):

a) topónimos que, apesar de coincidirem com substantivos comuns, se usam sem artigo definido (Albufeira, Espinho, Oleiros); estão também nestas condições muitos topónimos compostos em cuja constituição entram substantivos que definem tipos de lugar, como  cabo («em Cabo Delgado»), campo («de Campo Maior», «para Campo de Ourique»), castelo («em Castelo Branco», «por Castelo de Vide»), castro («de Castro Daire», «em Castro Laboreiro»), monte («para Monte Gordo»), paço («de Paço de Arcos»), ponta («em Ponta Delgada»), rio («por Rio de Mouro»), torres («em Torres Novas»), vila («de Vila de Rei», «sobre Vila Nova de Gaia»);

b) topónimos que não têm origem num substantivo comum conhecido, mas que, mesmo assim, se usam com artigo definido: «a Covilhã», «a Golegã», «o Cacém», «o Buçaco».

Sobre o uso ou não de artigo definido com nomes geográficos, sugerimos a consulta das respostas e textos seguintes: Uso do artigo definido com o artigo Ucanha; Em Alvito, e não "o" Alvito; Cuba (Alentejo)/Cubanos; Uso do artigo definido com Maputo; Na Anadia ou em Anadia?; Omissão de artigo definido com Espanha, França, Itália, Inglaterra; O uso de artigo definido com Mónaco e outros nomes de países; Topónimos com ou sem artigo; O artigo em topónimos estrangeiros; Sobre o género dos topónimos; A e à + topónimos; «Em África» ou «na África»?; [Nas] Caldas da Rainha; Hospital de Pombal; «Quarteira» ou «a Quarteira»? «Em Quarteira» ou «na Quarteira»?; Em/no Recife, de novo; Uso do artigo definido com Maputo (Moçambique)

Por Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

Na rubrica O Nosso Idioma, transcreve-se do semanário luandense Nova Gazeta uma nova crónica do jornalista Edno Pimentel sobre uma variante incorreta do verbo acreditar, nos usos do português coloquial de Angola. Na rubrica Correio, damos nota do contributo do consulente Alberto Mininho Castinheira, de Zamora (Espanha), a uma anterior resposta sobre a etimologia do substantivo menino, também empregado como apelido/sobrenome. No consultório, a atenção vai para o uso dos verbos zangar-se, candidatar-se e cumprir, além de se esclarecerem dúvidas sobre a locução «a curto prazo», a história da flexão dos verbos irregulares e a expressão «fazer um discurso».

Entretanto, durante a semana de celebração da Páscoa, as atualizações do consultório fazem uma pausa, com regresso marcado para 6 de abril. Neste período fica por isso inacessível o formulário para o envio de questões; mas, como é hábito, deixaremos em linha material que aguardava publicação ou que se imponha pela sua atualidade em matéria de língua. Para assuntos que não sejam relativos a dúvidas linguísticas, continuamos disponíveis através dos contactos indicados aqui.

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«(...) e quem não queria uma língua dentro da própria língua?
eu sim queria,
jogando linho com dedos, conjugando
onde os verbos não conjugam
(...)»
Herberto Helder, A Faca não Corta o Fogo – Súmula & Inédita, Lisboa, Assírio & Alvim, 2008, págs. 572/573*

 

Morreu Herberto Helder (1930-2015), se não o maior, um dos maiores poetas portugueses da segunda metade do século XX. Pouco dado à exposição mediática, Herberto Helder criou uma obra que reiteradamente subverte a língua pelo poema e pela escrita: «[o poema] erra-a [a língua], desfigura-a e amplia-lhe os jeitos, enxerta-lhe novos possíveis discursivos; reinventa-a: reforja o léxico e as relações vocabulares; perturba as formas e os ritmos sintácticos; produz imagens e figuras no regime alucinatório das iluminações e das radiações, que ferem a língua e rasgam a boca e os céus demasiado serenos da significação pré-definida» (Nuno Júdice, "As fronteiras do poético na poesia de Herberto Helder", Diacrítica, 2009, pág. 143). De entre o muito que se tem publicado a propósito deste autor, propomos uma peça do jornal Público, na qual o ator Luís Miguel Cintra diz o poema Lugar (in Poesia Toda) – para ver e (sobretudo) ouvir aqui. Deixamos ainda a ligação para algumas reações ao falecimento de Herberto Helder: "O melhor que disseram de mim foi quando estiveram calados"+"Uma energia cósmica" + "Herberto Helder: as reações à partida do `mestre´" + "Morreu Herberto Helder, a voz mais fulgurante da poesia portuguesa" + "Arnaldo Saraiva: um `mago da palavra que tira magia em tudo que toca´" + "Herberto Helder, o poeta".

* Citado por Rosa Maria Martelo, "Em que língua escreve Herberto Helder?", Diacrítica, 2009, pág. 164.

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No contexto da globalização, o português também se afirma como exportador de  palavras: fado, samba, saudade já são conhecidas dos dicionários de língua inglesa. E o Brasil conseguiu, entretanto, insinuar em domínios anglo-saxónicos o seu jeitinho («maneira hábil, esperta, astuciosa de conseguir algo, esp. algo que à maioria das pessoas se afigura como particularmente difícil; jeitinho brasileiro», Dicionário Houaiss). Mas cedo se juntou um (quase) equivalente luso – desenrascanço, derivado de desenrascar –, sonoramente bárbaro e presença recorrente em páginas eletrónicas que inventariam as palavras que faltam ao inglês para se tornar uma verdadeira língua global. O jornal digital português Observador assinala o facto, em notícia sobre uma nova recolha, intitulada 28 belas palavras que a língua inglesa deveria roubar. Também no Diário de Notícias, essa inclusão foi tema de uma crónica do jornalista Ferreira Fernandes, aludindo à crise que se arrasta em Portugal: «O vocábulo português que está na lista, desenrascanço (lugar 14), ilustra bem quanto o negócio vai ser favorável à América, Reino Unido e a toda Commonwealth. Sim [nós, portugueses], somos exímios no desenrascar. Mas para chegarmos ao apuro de deixar as coisas por fazer até ao último minuto e, num repente, encontrar uma solução satisfatória, saiu-nos do pelo. E eles vão tê-lo de graça.»

A verdade é que a importação de palavras inglesas é imparável, e um novo anglicismo entra em cena: overhang, ou seja, «uma nuvem negra que pende (hang) sobre (over) a recuperação económica não só em Portugal mas, também, em boa parte da zona euro» (de um artigo do Observador).

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21 de março, Dia Mundial da Poesia. Assinalado um pouco por todo lado, permita-se-nos uma referência específica à iniciativa do Teatro Sá da Bandeira, no Porto – que põe em cena, no dia 23, o espetáculo A Minha Pátria é a Língua Portuguesa, com textos de Fernando Pessoa, cruzando-se com os heterónimos Álvaro de Campos, Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Bernardo Soares. Deste, em concreto, lembremo-lo aqui, na rubrica Antologia – onde muitos poemas à volta da língua portuguesa, de autores lusófonos de todos os tempos, se encontram aí coligidos. É o caso deste tão celebrado soneto do brasileiro Olavo Bilac:


Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...


Amo-te assim, desconhecida e obscura
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela
E o arrolo da saudade e da ternura!


Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,


Em que da voz materna ouvi: «Meu filho!»
E em que Camões chorou, no exílio amargo
O génio sem ventura e o amor sem brilho!

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O fascínio exercido pela chamada "língua do povo" sobre os filólogos e lexicógrafos do século XIX  e da primeira metade do século XX (por vezes, com alguma idealização romântica) levou-os a registá-la sistematicamente em publicações como a Revista Lusitana. Contudo, ainda hoje no discurso coloquial afloram expressões que, por qualquer razão, não se acham nos dicionários gerais. É o caso de magorreiro, com o significado de «amável, ternurento»: donde virá esta palavra? A resposta fica em aberto nesta atualização, agradecendo nós, desde já, a colaboração de quantos nos leem. Também no consultório, falamos da origem do barlavento, procuramos contrastar conservação com manutenção e comentamos «qualquer coisa de complexo».

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A partir desta data, o Ciberdúvidas passa a conter publicidade nas suas páginas – em espaço próprio e devidamente assinalado como tal. Uma opção tomada face aos agravados constrangimentos de financiamento do serviço que aqui se presta, já lá vão 18 anos, à volta e em prol da língua portuguesa. Com essa receita possível – e os donativos dos seus consulentes mais dedicados –. é disso mesmo que se trata, afinal: a viabilização de um espaço desta natureza, de acesso gracioso e sem fins lucrativos, único em todo o espaço da lusofonia. Mas também para a sua melhoria, como a seu tempo se anunciará.

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As novas questões abordadas no consultório focam os empréstimos linguísticos, a etimologia e a relação entre sintaxe e semântica. Assim, pergunta-se:

– Donde vem o termo boccia – ou bocha, aportuguesando –, designação quer de um jogo popular italiano quer de um moderno desporto paraolímpico?

– Qual será a etimologia do adjetivo ubíquo, do nome próprio Arnaldo e do termo iode?

– E como contornar a ambiguidade de uma frase como «ele não foi à aula porque estava com preguiça»? 

Na rubrica Diversidades, disponibiliza-se um trabalho publicado no jornal português Expresso, da autoria dos jornalistas Joana Beleza e Pedro Santos Guerreiro, sobre o legado de Amadeu Ferreira, uma das figuras mais ativas na defesa  do mirandês, a cujo falecimento, em 1 de março p. p., já fizemos ampla referência.

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alguns anos referimos a situação pouco animadora do português na cidade espanhola de Olivença e na região circundante, território que fez parte de Portugal desde os finais do século XIII até 1801. Mas há sinais de mudança, conforme se pode ler no número de março da revista brasileira Língua Portuguesa, que publica uma reportagem sobre a recuperação do interesse dos próprios oliventinos pela língua dos seus avós, que querem agora ver reconhecida como segunda língua materna. Saliente-se que a fronteira da Estremadura espanhola tem, como a Galiza, fortes laços linguísticos e culturais com a lusofonia, sabendo-se que atualmente o idioma continua a ser falado nas regiões de Cedillo, Herrera de Alcántara e La Codosera. Também se mantêm falares de origem galego-portuguesa no norte da província de Cáceres, mais precisamente em San Martín de Trevejo, Eljas e Valverde del Fresno. E que melhor prova de atenção do que o programa que o curso Falamos Português, da televisão regional da Estremadura, dedicou em 2014 à lusa Atenas, a propósito de dois tempos do indicativo, o pretérito perfeito simples e o pretérito perfeito composto?

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Quando se fala de norma-padrão em Portugal, pergunta-se frequentemente: qual é a boa pronúncia? A questão, posta em causa por estudos descritivos e teóricos, não é despicienda na vida prática; e leva a que, por exemplo, o ensino da variedade lusitana a estrangeiros tome por modelo o chamado «português de Lisboa», para o qual tende igualmente a oralidade nos media. Contudo, há quem conteste a preponderância alfacinha: o jurista conimbricense Vital Moreira, em artigo publicado no Diário Económico e divulgado na rubrica O Nosso Idioma, apresenta o dialeto da capital portuguesa como um atentado à ortoépia (ou boa pronúncia) e considera que «a principal responsabilidade da degenerescência do português falado no discurso público é a sua colonização pela pronúncia coloquial dominante em Lisboa, por efeito da rádio e da televisão»1. A esta acusação, é possível contrapor a possibilidade de a elocução alisboetada ser indício, afinal, do declínio da oratória, ou seja, da arte do bem dizer, que exige efetivamente uma grande concentração na substância do discurso. Abordagem distinta sobre o genuíno falar à moda de Lisboa pode ser lida nesta descrição de Vítor Santos Lindegaard, no blogue Travessa do Fala-Só. Ou, ainda, em O lisboetês, o coimbrês e outros sotaques + Contra o "sotaque único"

 

* Do mesmo autor, vide os artigos Crónica do Falar Lisboetês e Crónica do Falar Lisboetês (bis).