Aberturas - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
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Por Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

Quando se aceita ou contesta a norma, observa-se muitas vezes que o erro de hoje há de ser forma correta amanhã. Do Brasil, onde supostamente a língua tem sido mais inovadora, chega-nos uma reflexão muito interessante do linguista Aldo Bizzocchi, que, na revista Língua Brasileira, foca o contributo, para a mudança linguística, do chamado cacoete, isto é, «gesto, trejeito ou hábito corporal feio» e, por especialização semântica, «palavra, expressão ou recurso estilístico, expressivo, empregado com exagero por usuário da língua, mais pela força do hábito do que pela necessidade» (Dicionário Houaiss). Analisando a moda brasileira de reforçar o sujeito («Pedrinho ele foi à escola»), Bizzocchi assinala que «antigos cacoetes [foram introduzidos], ou pelo menos disseminados, por falantes de uma certa influência social, contaminaram a maioria dos falantes séculos atrás e, de tão arraigados na fala coloquial, ascenderam à categoria de leis gramaticais, tornando-se, portanto, de uso obrigatório».

Outros fenómenos existem, que evidenciam um gosto surpreendente por formas irregulares, contrariando princípios de simplificação. Por exemplo, assiste-se cada vez mais, nos dois lados do Atlântico, ao uso de formas verbais compostas em que o auxiliar ter se associa a particípios passados irregulares («tem pego», «tinha morto»), em vez de formas regulares («tem pegado», «tem matado»). Que faz a norma com esta tendência? A resposta encontra-se no consultório, que ainda dedica espaço à grafia de «fim de semana», ao neologismo incendiarismo e à sintaxe do verbo prevenir.

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O mundo muçulmano está na ordem do dia depois dos atentados de Paris no passado dia 7 e posteriores repercussões internacionais, fazendo recorrentes as palavras (de origem árabe ou não árabe) que a ele se referem. À volta das muitas oscilações gráficas, morfológicas e semânticas que esses termos apresentam – basta recordar a discussão gerada pela forma islamista –, aqui ficam breves comentários sobre três casos, buscando ora a forma tradicional, ora o aportuguesamento, ora a consistência entre forma e conteúdo:

– Islão e islão: a ortografia portuguesa, pelo menos desde meados da década de 40 do século passado (ver Rebelo Gonçalves, Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa, de 1947, e Vocabulário da Língua Portuguesa, de 1966), tem-se apoiado numa distinção referencial para determinar o uso da maiúscula e minúscula iniciais; sendo assim, Islão designa o conjunto dos países islâmicos, enquanto islão é a designação da doutrina religiosa também conhecida como islamismo (ver esta resposta). Mencionem-se ainda as variantes Islã/islã (bastante usadas no Brasil) e Islame/islame. Para outra proposta, ver artigo de Francisco Bélard, disponível na rubrica Controvérsias.

Chador e burca: a atualidade (com a história) exige termos mais específicos do que o vago e convencional «véu islâmico»; refira-se, por exemplo, a entrada no léxico português de chador – que, há algum tempo, os dicionários adotaram sem dificuldade, mas que, com rigor filológico, deveria ser xador –, e burca, adaptação adequada de burqa ou burka, transcrições de formas usadas em persa e árabe (consulte-se artigo da Wikipédia em espanhol; ver também nicabe, aportuguesamento de niqab).

Integrismo e integralismo: como sinónimos de fundamentalismo, ocorrem nas notícias ambos os termos, mas, no plano religioso, na exata aceção de «apego exacerbado aos princípios e dogmas de uma religião, não admitindo qualquer tipo de mudança em relação a eles» (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa), é integrismo o termo registado em vários dicionários (Houaiss, Priberam, Porto Editora).

Sobre este assunto, a rubrica O Nosso Idioma inclui uma lista que reúne mais palavras relacionadas com o mundo islâmico.

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E eis que, depois de incontáveis testes de sobrevivência e crises de crescimento, o Ciberdúvidas da Língua Portuguesa alcança os 18 anos. A chegada, por assim dizer, à maioridade muito deve aos nossos consulentes, com os quais travamos um diálogo constante e frutuoso há quase duas décadas. O resultado é um vasto arquivo – cerca de 35 000 respostas e mais de 3000 artigos de divulgação e debate –, que constitui hoje um extenso repositório representativo do que os falantes do português (língua materna ou não) pensam e querem saber ou discutir a respeito do seu idioma. As dificuldades têm sido muitas, e disso mesmo damos conta num texto colocado na rubrica Notícias, que remete por sua vez para alguns registos colhidos* na imprensa portuguesa sobre os 18 anos deste espaço sobre a língua portuguesa, em toda a sua diversidade e particularidades nacionais e regionais.

O Ciberdúvidas já pode votar. E revela dúvidas frequentes e erros comuns + Há 18 anos que o Ciberdúvidas ensina o verbo "haver" + Ciberdúvidas celebra 18 anos sem dinheiro para bolo de aniversário + Parabéns Ciberdúvidas! + Parabéns pela maioridade, Ciberdúvidas! + 18 anos de Ciberdúvidas

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Os acontecimentos trágicos ocorridos em França, entre 7 e 9 de janeiro deste novo ano de 2015, obrigaram a comunicação social portuguesa a fazer referência ao género mediático a que se dedicava boa parte das vítimas do jornal Charlie Hebdo. Nota-se ainda grande apego ao termo inglês cartoon, apesar de existirem já adaptações ao português; relembremo-las: cartune e, no Brasil, cartum (cf. Dicionário Houaiss). Observe-se igualmente que a designação "cartoonista" é muito discutível – para não dizer mesmo incorreta –, porque, no português, as palavras derivadas de empréstimos que são substantivos comuns não conservam as grafias características das línguas de origem. Por isso, recomenda-se cartunista.

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Mesmo que, no início de 2015, a atualidade nos traga outro tipo de preocupações, a comunicação social portuguesa lá vai fazendo (algum) eco dos desafios que a língua portuguesa enfrenta no meio da impiedosa competição global entre idiomas. Assinalamos, por exemplo:

– com indisfarçável melancolia, a despedida da língua portuguesa da página oficial da FIFA desde o início do ano de 2015, para dar lugar ao russo, tendo em vista a realização do Mundial de 2018 na Federação Russa;

– como compensação (talvez) surpreendente*, o lançamento de um portal em português pela edição em linha do Diário do Povo, órgão central do Partido Comunista Chinês, para «promover a comunicação e o intercâmbio» com os países lusófonos;

– um texto publicado no jornal Público e da autoria de Renato Epifânio, presidente do Movimento Internacional Lusófono, a propósito de um estudo da revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), segundo o qual a influência de uma língua se mede pela capacidade de ligar outras;

– um artigo do jornalista Virgílio Azevedo retirado do semanário Expresso, intitulado "Como tornar a língua portuguesa mais influente no mundo", no qual se sublinha a necessidade de o português aumentar a sua influência global e preparar-se melhor para a era digital.

* Tão surpreendente quanto a Guiné Equatorial, admitida em 2014 como 9.º membro da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), ainda não ter uma versão em português da página eletrónica governamental.

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Apesar de considerarmos que dizer muito em poucas palavras é uma arte, dificilmente resistimos ao pitoresco e à expressividade que frases feitas e outros idiomatismos conferem à fala e ao discurso, aparentemente  contrariando ideais de economia e eficiência sistémica. No consultório, ao encontro desse prazer, comentam-se duas expressões desse tipo: «estar/andar em panos de vinagre» e «empurrar com  a barriga». Nesta atualização, são igualmente abordados tópicos relacionados com a pragmática (atos ilocutórios), a toponímia (a etimologia de Isna) e a ortografia (alto-astral).

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Como anunciado, o Ciberdúvidas da Língua Portuguesa retoma neste dia as atualizações regulares do consultório e das demais rubricas. Assim, à volta das palavras que, em Portugal, mais marcaram as notícias de 2014, a rubrica O Nosso Idioma divulga dois artigos, mais precisamente, um apontamento da jornalista Rita Pimenta sobre o regionalismo xurdir e o texto "25 palavras que marcaram 2014", publicado na revista Visão. Um tema que vem a propósito da tradicional eleição da Palavra do Ano, um passatempo organizado pela Porto Editora –  que, desta feita, teve como mais votado o vocábulo  corrupção, selecionado entre um leque de candidatas como banco, basqueiro, cibervadiagem, ébola, gamificação, legionela, selfie e o já mencionado verbo xurdir. Também fez parte desta lista o termo jiadismo – sem h, que é como manda a norma portuguesa, a despeito da persistência da forma errada na imprensa portuguesa e até na entidade promotora da votação da "Palavra do Ano 2014". A (positiva) exceção é o semanário Expresso, que passou a grafar como deve ser a palavra referente ao seguidor desse movimento: jiadista.

Outros conteúdos que ficam igualmente em linha:

– ainda em O Nosso Idioma, um texto da autoria do linguista português Carlos A. M. Gouveia para apresentação do livro A Língua Portuguesa: Teoria, Aplicação e Investigação, da professora universitária Maria Helena Mira Mateus;

– as novas respostas sobre a formação de grafiteiro, o significado de carrinha e localidade, o uso frásico do pronome de tratamento você e a sintaxe do verbo parecer.

Uma última chamada de atenção para a rubrica Notícias, onde, no contexto da linguística portuguesa, se dá conta do impacto dos resultados da segunda fase do processo de avaliação das unidades de investigação e desenvolvimento (I&D) por parte da Fundação Europeia para a Ciência. O horizonte deste novo ano é preocupante porque algumas unidades veem comprometido o seu futuro;  assinala-se, contudo, a fusão do Instituto de Linguística Teórica e Computacional (ILTEC) com o Centro de Estudos de Linguística Geral e Aplicada (CELGA), entidades que a FCT distinguiu com boa nota, assim garantindo a continuidade de projetos que visam desenvolver recursos para a promoção da língua portuguesa.

A todos os nossos consulentes, os votos de um excelente 2015!

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Fui ver ao dicionário de sinónimos
A palavra mais bela sem igual
Perfeita como a nave dos Jerónimos...
E o dicionário disse-me NATAL.
 
Perguntei aos poetas que releio:
Gabriela, Régio, Goethe, Poe, Quental,
Lorca, Olegário... e a resposta veio:
Christmas... Noël... Natividad...Natal...
 
Interroguei o firmamento todo!
Cobras, formigas, pássaros, chacal!
O aço em chispa, o «pipe-line», o lodo!
E a voz das coisas respondeu NATAL.
 
Cânticos, sinos, lágrimas e versos:
Um N, um A, um T, um A, um L...
 
Perguntei a mim próprio e fiquei mudo...
Qual a mais bela das palavras, qual?
Para que perguntar se tudo, tudo,
Diz Natal, diz Natal, e diz Natal?!

Com a Adoração dos Reis Magos, do pintor Vasco Fernandes, o Grão Vasco (c. 1474-c. 1542), e versos do poeta português Adolfo Simões Müller (1909-1989), o Ciberdúvidas da Língua Portuguesa também assinala a chegada do Natal e de 2015, desejando festas felizes a todos os seus consulentes.

Contamos igualmente que o novo ano nos dê razão para confiar mais no futuro, porque 2014 não foi nada animador. Com efeito, condições financeiras precárias continuam a afetar este espaço, especialmente no tocante à sua capacidade de acompanhar o progresso dos meios de gestão de conteúdos em linha e de lançar projetos para a promoção da língua portuguesa, indo ao encontro de um público tão diversificado como é o da Lusofonia. Não obstante as respostas solidárias de muitos consulentes ao apelo SOS Ciberdúvidas – a quem renovamos os nossos agradecimentos –, a verdade é que, sem outros apoios, não vai ser possível garantir a viabiização do serviço que aqui se presta, gracioso e sem fins lucrativos, nem comerciais, de esclarecimento, informação e debate sobre tudo à volta da língua portuguesa em toda a sua diversidade histórica e geográfica.

Mesmo assim, depois da pausa tradicional desta época festiva, não deixaremos de retomar as atualizações do consultório e das demais rubricas no dia 5 de janeiro. Até lá, fica bloqueado o acesso ao formulário para envio de perguntas, embora continuemos a disponibilizar material que aguarde publicação ou cuja atualidade justifique divulgação. Para assuntos que não digam respeito a dúvidas linguísticas, os contactos estão disponíveis aqui.

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Sydney é a grafia a dar ao nome da cidade australiana que as notícias puseram em foco. Porquê Sydney, e não "Sidney"? E não haverá feição mais portuguesa? Começando pelo nome inglês, sabe-se que o topónimo tem origem num apelido grafado de duas maneiras – Sidney e Sydney –, derivado de uma antiga expressão anglo-saxónicasidan iege («ilha ampla»). A cidade, contudo, passou a ser conhecida como Sydney, em homenagem ao político britânico Thomas Townshend (1733-1800), visconde Sydney – ou seja, o topónimo fixou-se em inglês com dois yy. Em Portugal, o insigne filólogo Rebelo Gonçalves registou Sídnia como alternativa vernácula a Sydney no Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), mas sem sucesso; e, não tendo a forma portuguesa alcançado popularidade, aceita-se e emprega-se hoje o topónimo Sydney (pronunciado "sídni") sem o adaptar à língua portuguesa.

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Ninguém deve negar ao discurso especializado o direito a criar e usar termos que permitam referir com exatidão as realidades e as noções que definem um domínio de atividade técnica ou científica. Porém, quando chega o momento de falar para todos, incluindo os leigos na matéria, já a linguagem tem de ser outra, sem cedências ao pedantismo. Na rubrica Pelourinho transcreve-se o reparo que o comentador e político português Daniel Oliveira fez no semanário Expresso em 11/12/2014, a respeito dos anglicismos que, em Portugal, tornam incompreensíveis para a maioria dos cidadãos as sessões da Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão do Banco Espírito Santo (BES) e do Grupo Espírito Santo (o chamado «caso BES»)1. No entanto, a sedução pelo estrangeirismo anglo-saxónico não é coisa dos nossos tempos, porque, como revela uma nova resposta do consultório, sabemos que já na primeira metade do século XIX o escritor Almeida Garrett (1799-1854) distorcia a morfologia latina com uma criação do idioma de Shakespeare. As dúvidas desta atualização abrangem ainda outros tópicos: os usos gramaticais do verbo ter; a classe de palavras de pouco; o significado de adicionalmente; e a associação de cada a uma expressão nominal no plural.

1 Sobre este mesmo assunto relacionado com as audições na Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão do BES e do GES – o excesso de anglicismos e a linguagem eivada de tecnicismos do chamado economês, inacessíveis ao cidadão comum –, como aqui já se chamou a atenção, a deputada do Bloco de Esquerda Mariana Mortágua criou um blogue com este propósito específico: o de descodificar o que aí se vai dizendo em... português que se entenda.