«Sem eira nem beira» é um dito popular antigo que encerra um pensamento moral. Deste adágio ressalta a eira, localizada nas proximidades dos lugares do mundo rural, que era e ainda é um local ao ar livre, de terra batida ou lajeada. Aqui se estendiam para secar os cereais (trigo, milho, centeio, etc.) e legumes, a fim de serem malhados, debulhados e limpos no mês de Agosto, ou seja, no «tempo da eira». A eirada correspondia a uma porção de cereais que se debulhavam por uma só vez na eira, para depois serem aproveitados para o consumo. Era sinal de alguma prosperidade. Quem era pobre não tinha eira, nem um pedaço dela, nem mesmo sua beira. Daqui resultou a rima popular, em jeito de menosprezo: miserável é aquele que vive «sem eira nem beira», ou «sem eira nem beira, nem pé (ramo) de figueira». Ou, ainda, em tom satírico e jocoso para com um vizinho: «"Valha-te a eira má", que não tenhas pão na eira, e que morras de fome»!
O adágio também podia ter outra explicação popular, referente aos beirais dos telhados das antigas habitações e afins. Dizia-se que as famílias com menos posses tinham uma telha (eira), os remediados tinham duas (beira) camadas de telhas. E os mais abastados tinham na cobertura das casas três camadas de telha, eira, beira e tribeira, respectivamente, de cima para baixo. Daí o dito popular «se o sujeito não tem eira, nem beira, quer dizer que ele não tem recursos, é pobre».
Esta tipologia dos beirados foi levada pelos portugueses, no século XIX, senão antes, para o Brasil.
Em Portugal e no Brasil, ainda podemos observar algumas casas, [ver, por exemplo, as imagens de um edifício setecentista, sito na Sobreda (concelho de Almada); da colecção de Alexandre Flores], que conservam os dois beirados, próximos dos telhados. Outras, na maioria, só com um beirado. As que tinham os dois significavam que a família que residia naquela casa tinha eira (poder) e beira (posses). Nas casas só com um beirado então só tinham eira e não tinha beira. E nas casas que não tivessem nada não tinham «nem eira nem beira».
Bibliografia consultada: A. Martins Barata, Dicionário Prático da Língua Portuguesa, Expressões Peculiares; Frei Domingos Vieira, Grande Dicionário Português, ou Thesouro da Língua Portugueza, vols. I,II,III, Porto: Editores Ernesto Chardon e Bartolomeu H. de Morais, 1871-1873; Guilherme A. Simões, Dicionário de Expressões Populares Portuguesas, Ed. Dom Quixote, 2000; José da Fonseca Lebre, Locuções e Modos de Dizer usados na Província da Beira Alta, Liv. Clássica Editora, 1924; José Pedro Machado (coord.), Grande Dicionário da Língua Portuguesa, vols. I e II, Lisboa: Pub. Alfa, 1991; Orlando Neves, Dicionário de Expressões Correntes, Editorial Notícias, 2000.
Estudo e recolha do historiador e bibliotecário-arquivista Alexandre M. Flores, publicado em 10/01/2020 na sua própria página de Facebook. Manteve-se a norma ortográfica do original, a qual é anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.