Antologia - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
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Textos de autores lusófonos sobre a língua portuguesa, de diferentes épocas.

A nossa magna lingua portugueza

De nobres sons é um thesouro.

Seccou o poente, murcha a luz represa.

Já o horizonte não é oiro: é ouro.


Negrou? Mas das altas syllabas os mastros

Contra o ceu vistos nossa voz affoite.

O claustro negro ceu alva azul de astros,

Já não é noute: é noite.


26-8-1930

Um poeta na turma

Ainda não disse que tenho um Poeta na turma. É o Romão. Faz o possível por "parecer" Poeta, pela maneira como se senta, pelo tom de voz, e até pelo reclamo falado que de si faz: assina "o Poeta"; acha naturalíssimo que eu lhe chame "ó Poeta" e diz aos outros que se não devem admirar de que haja Poetas que escrevem prosa: «Eu também sou Poeta e faço muitas redacções.» Tenho-lhe dito que é preciso ser Poeta princip...

O adjectivo

Dá-me de comer.
Se não fora ele
O que houvera de ser?

(...)

São os sermões do padre António Vieira uns riquíssimos minérios do mais fino ouro pelo que respeita à linguagem. Ninguém reuniu em poucas páginas tantas palavras rubricadas pelos mestres que o precederam. As opulências que Vieira aditou à prosódia constituiriam o idioma português no alto ponto das línguas mais ricas, se já então houvéssemos entrado em comunhão de ciências com a Europa, e tivéssemos adaptado à nossa índole glótica os termos facultativos. O seu modo de adjectivar é irrepreensív...

Poema de Alexandre O'Neill (Lisboa 1924 – Lisboa, 1986), transcrito do livro No Reino da Dinamarca, editado em 1958.


Com as minhas mãos calejadas e fortes
aprendi a trabalhar novos materiais:
depois da pedra veio o bronze,
depois da madeira o aço, o barro e o ouro.
Eu não parava de crescer
em tudo aquilo que aprendia,
eu não parava de me deslumbrar
com tudo aquilo que descobria  
e ainda me faltava aprender
tanta, tanta coisa. Um dia
disse para comigo: "O que aprenderes
também deves ensinar",
e foi assim que fiz dos filhos
meus alunos e dos alunos
meus her...

Palavras,

sereis apenas mitos

semelhantes ao mirto

dos mortos?

Sim,

conheço

a força das palavras,

menos que nada,

menos que pétalas pisadas

num salão de baile,

e no entanto

se eu chamasse

quem dentre os homens me ouviria

sem palavras?


Apreender com as palavras a substância mais nocturna
é o mesmo que povoar o deserto
com a própria substância do deserto
Há que voltar atrás e viver a sombra
enquanto a palavra não existe
ou enquanto ela é um poço ou um coágulo do tempo
ou um cântaro voltado para a sua própria sede
Talvez então no opaco encontremos a vértebra inicial
para que possamos coincidir com um gesto do universo
e ser a culminação da densidade
Só assim as palavras serão o fruto da sombr...


Rudes e breves as palavras pesam
mais do que as lajes ou a vida, tanto,
que levantar a torre do meu canto
é recriar o mundo pedra a pedra;
mina obscura e insondável, quis
acender-te o granito das estrelas
e nestes versos repetir com elas
o milagre das velhas pederneiras;
mas as pedras do fogo transformei-as
nas lousas cegas, áridas, da morte,
o dicionário que me coube em sorte
folheei-o ao rumor do sofrimento:
ó palavras de ferro, ainda sonho
dar-vos a leve têmpera do vento.

Carlos de Oliveira

Nesta cidade, onde agora me sinto
mais estrangeiro do que os gatos persas;
nesta Lisboa, onde mansos e lisos
os dias passam a ver as gaivotas,
e a cor dos jacarandás floridos
se mistura à do Tejo,em flor também,
só o Cesário vem ao meu encontro,
me faz companhia, quando de rua
em rua procuro um rumor distante
de passos ou aves, nem eu sei já bem.
Só ele ajusta a luz feliz dos seus
versos aos olhos ardidos que são
os meus agora; só ele traz a sombra
dum ...