O “caso” em questão data do ano passado, mas parece-me ter grande importância no actual contexto de perversão da língua portuguesa: a escrita com o Acordo Ortográfico de 1990 e a ortoépia com o “lisboetismo” (permitam-me o barbarismo).
Um consultante solicitou ao Ciberdúvidas qual a leitura correcta do ditongo /ei/. A resposta de um tal Carlos Rocha (a 14/12/18) é de antologia! Diz o senhor Rocha :
“ … feira, maneira e deixei, soam () como "fâirâ", "mânâirâ" e "dâixâi"… !
O senhor Rocha deve considerar que Portugal é o Terreiro do Paço… A pronúncia a que se refere não corresponde à realidade da maior parte das regiões do país. É, sem dúvida, a mais propagada pelos principais meios de comunicação nacionais – rádios e televisões – cujas sedes se situam invariavelmente em Lisboa. O ditongo /ei/, em galaico-português, pronuncia-se como /ei/ : Oliveira (não Olivâirâ"), peixeira (não pâixâirâ")… Talvez o senhor Rocha considere que deve pronunciar-se frio como “friu” e rio como “riu”.
A ortoépia das diversas regiões do país merecem respeito, mas a origem da língua portuguesa é nortenha, e por mais capital que seja Lisboa, o sotaque que tanto divulgam não é uma regra para todos. Recorde o senhor Rocha (e também a Ciberdúvidas que o publica), que Portugal não se limita – por enquanto – à área da Grande Lisboa.
Cito abaixo os nomes latinos e seu respectivo nome nórdico, colocando em seguida o nome aportuguesado que sugiro [exemplo: Adelus (Adils/Eadgils) – Adelo]. Como são nomes não atestados fora da Wikipédia, preciso do crivo de um linguista para usá-los.
* Adelus (Adils/Eadgils) – sugerido Adelo.
* Agnus/Agnius (Agne) – sugerido Agno ou Ágnio.
* Alaricus e Ericus (Alrekr e Eiríkr) – sugerido Alarico e Érico.
* Amundus (Amund) – sugerido Amundo.
* Anundus (Anund) – sugerido Anundo.
* Aunus (Aun) – sugerido Auno.
* Biornus (Bjørn/Bjǫrn/Björn) – sugerido Biorno. Há uso no espanhol e no italiano e há residual uso em português.
* Dagerus/Dagus Sapiens (Dagr Spaka) – sugerido Dagero/Dago, o Sábio.
* Dagnerus (Dyggve) – sugerido Dignero.
* Domalder (Domalde/Dómalda/Domalde/Dómaldi) – sugerido Domaldro.
* Elfus e Inguinus (Alf e Yngve/Alfr e Yngva) – sugerido Elfo e Inguíno.
* Fliolmus/Fiolni (Fiǫlnir/Fjǫlnir/Fjölner) – sugerido Fliolmo.
* Gudrodus (Guðrøðr/Gudrød) – sugerido Gudrodo.
* Hacus (Hake) – sugerido Haco.
* Haldanus (Halfdan) – sugerido Haldano.
* Hugleicus (Hugleik) – sugerido Hugleico.
* Iaroslaus (Jaroslav) – Jaroslau.
* Inglingus (Yngling) – sugerido Inglingo(s) (outro nome familiar), presente em ao menos um dicionário lusófono e obras hispânicas.
* Ingoldus (Ingjald) – sugerido Ingoldo.
* Inguar (Ingvar) – sugerido Inguar, com a possibilidade de também citar Igor, forma como esse nome nórdico antigo foi traduzido para o russo e como chegou ao português depois.
* Iorundus (Jörund/Jørund/Jorund/Eorund/Jörundr) – sugerido Jorundo.
* Iziaslaus (Iziaslav) – sugerido Iziaslau
* Mistislaus (Mistislav) – sugerido Mistislau
* Niordus (Njord) – sugerido Niordo.
* Olegus (Oleg) - Olego ou Olegue, forma que usei por aparecer residualmente em algumas obras lusófonas
* Ostenus/Augustinus (Östen/Eysteinn) – sugerido Osteno/Agostinho; o primeiro é uma latinização das fontes nórdicas, enquanto o segundo foi dado pelas fontes latinas mediterrânicas ao rei sueco que participou nas cruzadas.
* Ottarus (Ottar) – sugerido Otaro.
* Ragualdus (Ragnvald) – sugerido Ragualdo.
* Randverus (Randver) – sugerido Randúero ou Randuero.
* Rostislaus (Rostislav) – Rostislau
* Saxo Grammaticus – sugerido Saxão Gramático.É referido em latim em todas as fontes nórdicas e na literatura moderna. Há algumas fontes em português para Saxão Gramático.
* Scyldingus (Scylding/Skjöldung) – sugerido Escildingo(s) (é um nome familiar, não necessariamente um sobrenome).
* Scyldus/Scildus/Schioldus/Scioldus (Scyld/Skjöld) – sugerido Escildo, Esquioldo e Escildo.
* Sigurdus (Sigurd) – sugerido Sigurdo.
* Solvus/Salvus (Sölve/Salve/Sølve) – sugerido Solvo/Salvo.
* Stenchillus (Stenkil) – sugerido Estenquilo.
* Suercherus/Sverchervs/Swegthir (Sveigðir/Sveigder/Svegder/Swegde/Swerker) – sugerido Suérquero.
* Svetopolcus/Suetopolcus (Svyatopolk) – sugerido Esvetopolco ou Suetopolco
* Svetoslaus/Suetoslaus (Sviatoslav) – sugerido Esvetoslau ou Suetoslau
* Valander (Vanlanda/Vanlande/Vanlandi) – sugerido Valandro.
* Vsevolodus (Vsevolod) – Usevolodo
A lista é muito mais extensa, mas acho que com esses vários exemplos é possível ter um panorama daquilo com que estamos lidando. [...] Os que defendem os nomes nórdicos consideram o uso do latim equivocado por não ser uma língua de uso corrente – e por quererem ser puristas em relação ao nomes. Nós, latinistas, visamos o uso do latim, não só por também ter uso nas poucas fontes existentes (algumas das obras nórdicas só sobreviveram na sua versão latina), mas por ser a forma mais eficaz de chegarmos a nomes seguros no português e por melhor atender às demandas dos leitores de nossa enciclopédia, em sua maioria leigos e alunos pré-universitários.
Agradeço imensamente a atenção.
Queria saber qual é a razão por que subir é com b se tem a sua origem em latim subire e, pelo tanto, deveria ser com v, já que o b do latim é intervocálico.
Obrigada!
Numa série, para indicar a posição imediatamente a seguir à sexagésima nona, tenho escrito septuagésima. Porém, gostaria de saber se (à luz do acordo ortográfico) deverei escrever "setuagésima"?
Não poucas vezes, ouvi dizer, de brasileiros, “abissurdo” ou inguinorante”, mas sempre levei estes casos de anaptixe[1] à conta de agramaticalidades tipicamente brasileiras (tanto quanto sei, de origem africana ou mesmo angolana).
Quando, porém, ouvi senadores a pronunciarem o impeachment como “impichiment”, na sessão do Senado em que foi votada a exoneração da Presidente Dilma Roussef, perguntei-me se se tratava duma agramaticalidade ou, antes, de um brasileirismo, já enraizado na variedade brasileira do português. Agora, no discurso de tomada de posse de Jair Bolsonaro, ouvi-o dizer “corrupição” em vez de corrupção.
Gostava de saber, do Ciberdúvidas, se esta anaptixe é uma agramaticalidade fonética ou é um brasileirismo, já registado como aceite na variedade brasileira do português.
[1 N. E. – O termo anaptixe denomina «[a] epêntese de vogal no interior de um grupo consonantal (p.ex.: latim febrariu > português fevreiro > fevereiro; tramela > taramela; no português informal do Brasil, diz-se peneumonia por pneumonia, adevogado por advogado); suarabácti» (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 2001). Por epêntese, entende-se a inserção de qualquer som no meio de palavra (português antigo cheo > português contemporâneo cheio; latim stella > português estrela) ou entre palavras (a água > português regional a i água) – Cf. Dicionário Terminológico. Segue- se a resposta da professora brasileira Eliene Zlatkin, a quem agradecemos o contributo.]
Saudações cordiais de além-mar! Há algum tempo que estou a acompanhar vosso sítio de esclarecimentos sobre o português. Agradeço-vos imensamente pela riqueza linguística que é apresentada aqui.
Sei que a maioria, senão quase todas as apalavras iniciadas por (AL) têm origem árabe, tanto é que meu sobrenome se grafa desta forma:
«Albuquerque». Estudo português europeu, desde que adquiri o livro de professor António Emiliano: «Fonética do Português Europeu - Descrição e Transcrição». Esse fenómeno de abertura da vogal (A) átona nessas palavras ocorre por quê? (algodão, alqueire, alfazema). É tradição da língua pronunciá-las abertas devido a origem árabe? De qualquer modo, em «nacional, estadual, especial», etc. Ocorre o mesmo. Obs.: Coloquei as setinhas («») no lugar das aspas porque estava a aparecer um código estranho. Muito obrigado!
Eu era um dos muitos que pronunciavam a palavra Antioquia como "Antióquia": aliás, eu até colocava o acento.
Recentemente percebi que a sílaba tónica era o qui e não o o, mas no entanto uma dúvida persistiu:
Lê-se "AntiuQUÍa" [ɐ̃tiu'kiɐ], ou "AntióQUÍa" [ɐ̃tiɔ'kiɐ]? A segunda sílaba tónica é ti?
Muito obrigado!
Sou brasileiro e fascinado por idiomas, e o português não fica longe desse fascínio apenas por ser minha língua materna. Muito pelo contrário! Adoro ouvir e aprender as diferenças entre as variantes da nossa língua: o dialeto europeu, os dialetos africanos, assim como os mil e um sotaques do dialeto brasileiro.
Mas enfim, sendo mais direto, ao ouvir o português de Portugal, tenho um pouco de dificuldade em entender exatamente como é pronunciado o ditongo EI (como em manteiga, beira, eira, maneira, feira, etc.), soando na maioria das vezes como /éi/, porém as vezes também me soando como /ai/ (como o ei é pronunciado no alemão, por exemplo). Eu já tinha essa dúvida há um tempo, mas decidi finalmente perguntar algo sobre após ouvir várias vezes a voz sintética do iPhone (em português de Portugal) pronunciar os dias da semana, onde a palavra feira me soa perfeitamente como “faira”.
Fato inegável é que, de maneira ou outra, é bem diferente do dialeto brasileiro, onde EI se pronuncia /êi/ ou em alguns casos, /ê/.
Mas, assim, o que devo concluir sobre a pronúncia portuguesa?
Aqui na região onde vivo, Pernambuco, é muito comum as pessoas, principalmente do interior do Estado, pronunciarem as palavras vassoura, varrer, travesseiro, vestido, alavanca, etc. trocando-se a letra v pelo b. É notório também uso de arcaísmos como ''treição'' (traição), ''baladeira'' (estilingue), ''fruita'' [fruta], ''luita'' (luta), etc. É triste, pois muitas dessas pessoas, que são doutra geração, são tidas como ''arcaicas'' e sofrem algum preconceito.
Minha pergunta é a seguinte: em Portugal é corriqueira tal mudança na pronúncia ou uso de arcaísmos por parte da população? Sei que os daqui não têm esse sotaque à toa, creio que há uma raiz no outro lado do Atlântico.
Grato!
Eu sei que o substantivo masculino esmero se pronuncia com a sílaba tónica -me- com um e fechado: como se fosse "esmêro". Mas qual é a pronúncia da primeira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo esmerar? Será «eu esmero-me», com a sílaba tónica pronunciada com um e aberto, como em "esméro"? Ou será «eu esmero-me», com a sílaba tónica pronunciada com um e fechado, como em "esmêro"?
Desde já, mui grato pela atenção despendida.
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