Um poema inédito de Luís Carlos Patraquim (Maputo, 1953).
Um poema inédito de Luís Carlos Patraquim (Maputo, 1953).
Em Moçambique, em 2012 a ratificação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (AO) parecia encaminhada, por decisão do conselho de ministros do governo deste país. Contudo, o "período de derrogação" que nesse ano também fora criado para preparar o país para a aplicação da nova norma ainda hoje espera o seu termo. Entretanto, o Vocabulário Ortográfico Moçambicano da Língua Portuguesa está disponível desde 2017 na plataforma do Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa (VOC), mas o certo é que o AO continua por ratificar em Moçambique. Para uma noção do que há alguns anos era o debate desta questão, transcreve-se com a devida vénia a entrevista que a linguista Marta Sitoe deu em 22 de agosto de 2016 ao jornal moçambicano O Povo e que o jornal Preto e Branco republicou em 6 de junho de 2020 (manteve-se a ortografia original).
N. E. (11/06/2020) – Texto introdutório alterado na sequência de um esclarecimento (comunicação pessoal) proveniente da organização do VOC. Na verdade, a entrevista feita a Marta Sitoe é da autoria de Crescêncio Manhique e saiu originalmente em 22 de agosto de 2016 no jornal moçambicano O Povo, que terá deixado de se publicar – pelo menos, à data de redação desta nota, não foi possível aceder a este jornal em pesquisas pela Internet. O texto que no Ciberdúvidas da Língua Portuguesa se transcreveu inicialmente era o da republicação em 6 de junho de 2020 pelo Preto e Branco. Contudo, pareceu de justiça reproduzir a entrevista tal como apareceu em O Povo, com a devida identificação do entrevistador, Crescência Manhique (CM). Fica também disponível aqui a referida edição (edição 29, ano 1) de O Povo em 22 de agosto de 2020.
«Nelson Mandela aboliu a maldição de Babel» escreve o jornalista e poeta moçambicano Luís Carlos Patraquim, numa evocação ao desaparecimento do político sul-africano, esténuo combatente do apartheid.
Poema do moçambicano Luís Carlos Patraquim inserto no livro Pneuma, edição Caminho, Lisboa (2009)
O avô, hemiplégico, sentado. A avó na ronda do quarto, entre a porta e a janela abertas.
O Verão escorrendo.
Então, Maria, não levas a goropelha1?
Olha, o senhor engenheiro...
A saia e o casaco dela, a malinha a condizer. A desmemória também, numa espécie de alívio expresso no sorriso inocente. O esforço dele para se erguer. Nos longos preparos para o passeio de domingo à tarde, bordejando o mar e o seu perfil, entretinham a velhice.
Entra-se pelo subúrbio adentro, pode ser em Maputo, e deparamo-nos com as cores chibantes de um estabelecimento comercial. Na precária parede exterior o desenho de um rosto masculino, encimado pela mancha escura do que se adivinha ser a cabeleira e uma tesoura alada, sem ar ameaçador, como se de um pequenino ngingiritane se tratasse, pássaro lesto e brincalhão a debicá-la. Encimando a porta, em letras tropegantes mas gordas, cada uma de sua cor, o nome funcional e solene: Cabelaria Corte R...
Devia falar de letras, começo por números. Apenas 40 por cento de moçambicanos falam português. E falam-no como segunda língua. Só 3 por cento têm no português a sua língua materna.
O idioma português não é a língua dos moçambicanos. Mas, em contrapartida, ela é a língua da moçambicanidade. Há 30 anos, a Frente de Libertação de Moçambique, ainda na guerrilha anticolonial, viu no idioma lusitano uma arma para a unificação do país e a construção da Nação. Aquele instrumento que servira a ...
O céu
É uma m´benga
Onde todos os braços das mamanas
Repisam os bagos de estrelas.
Amigos:
As palavras mesmo estranhas
Se têm música verdadeira
só precisam de quem as toque
ao mesmo ritmo para serem
todas irmãs. (...)
Mpurukuma, Língua, corpo quase,
o que sou de sobrepostas vozes,
Bayete!
E tu, pássaro da alma, Mpipi adejando
sobre o losango tumultuante de cores,
Templo onde me cerco,
não me abandones, cão inflando para o rio
uma escarninha balada que nos enforca.
Esfumou-se a Torre na praia nocturna,
a preposição que olfactava o nervo
e Ele dorme ainda e expulso.
Quando a palavra surge, inteira, das águas
e os espíritos batem a respiração do batuque,
Ele ...
«Venho brincar aqui no Português, a língua. Não aquela que outros embandeiram. Mas a língua nossa, essa que dá gosto a gente namorar e que nos faz a nós, moçambicanos, ficarmos mais Moçambique.»
[texto escrito especialmente para o Ciberdúvidas, na sequência dos contributos do angolano Pepetela, do cabo-verdiano Germano Almeida, do guineense Carlos Lopes e do português José Saramago.]
Este é um espaço de esclarecimento, informação, debate e promoção da língua portuguesa, numa perspetiva de afirmação dos valores culturais dos oito países de língua oficial portuguesa, fundado em 1997. Na diversidade de todos, o mesmo mar por onde navegamos e nos reconhecemos.
Se pretende receber notificações de cada vez que um conteúdo do Ciberdúvidas é atualizado, subscreva as notificações clicando no botão Subscrever notificações